Capítulo 6

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Rieka estava escondida nas sombras aguardando o momento certo, como fez em toda a sua vida. Tinha que ficar ali até a hora de sair. Ela só não sabia quando seria isso.

No momento, o lugar estava lotado de gente, principalmente guardas, e todos estavam espalhados.  Rieka podia ficar invisível se prendesse a respiração, mas alguém poderia esbarrar nela e arruinar tudo. Aí ela seria presa, torturada, condenada por um julgamento falso - ela já estaria morta no momento em que fosse pega - e executada em praça pública na frente de dezenas de pessoas. Não era exatamente uma cena agradável.

Quando a saída estava relativamente vazia, ela se esgueirou rapidamente para fora. Teve que voltar a ficar visível pois seu fôlego tinha acabado incrivelmente rápido. Felizmente, não havia ninguém à vista. Rieka pôs o capuz do manto na cabeça e começou a andar para longe dali.

Do lado de fora da passagem secreta, Rieka observou se tinha alguém, mas não. Ótimo. Até aquele momento, tudo estava indo conforme o combinado.

Porém, a parte final e mais complicada do plano, ir embora, ainda não tinha sido concluída.

Entrando no primeiro cômodo destrancado, ela tirou a saca das costas e, de dentro, tirou roupas velhas roubadas de uma serva aleatória e uma touca branca para cobrir seu cabelo roxo. Cabelos de cores incomuns eram típicos do povo dela.

Ela guardou as roupas que usava antes e o mato e, ao sair, fechou a porta do cômodo sem fazer barulho. No caminho para o portão, as pessoas a ignoravam e ela teve que se segurar para não revirar os olhos e bufar. Não têm uma grama de neurônio, pensou. Mesmo assim, manteve o olhar para a frente ao portão onde havia dois guardas de prontidão.

Quando Rieka foi atravessar o máximo de atenção que lhe deram foi um olhar de esguelha. Fora isso, foi como se uma brisa tivesse passado e não um ser humano.

Do lado de fora, três garotas a esperavam sentadas em montes de tijolos. Uma delas deu um breve sorriso para ela e fez sinal para as outras se levantarem. Juntos, as quatro se puseram a andar.

- Como foi? - perguntou Ammie, sussurrando.

- Fácil até demais - respondeu Rieka, sem mexer a boca. Pararam de falar pois vinha passando um pelotão. Assim que se foram e o grupo de Rieka voltou a andar, ela passou a olhar ao redor. As roupas das pessoas iam de vestidos remendados a túnicas com bordado de filigrana e botas listradas de couro, com certeza muito caras.

Nunca deixava se perguntar como tinham deixado que chegasse a esse ponto. O povo dela dividia igualmente suas moedas e pertences, a não ser que fossem muito pessoais. Na verdade, elas não tinham tanto o que dividir. Foram tão caçadas que certas coisas tinham se tornado artigo de luxo.

Eram as bruxas, afinal. Perseguidas, torturadas, presas, assassinadas. Ordens da imperatriz Fernan assim que ascender ao poder.

Rieka nunca conseguiu entender de verdade essa perseguição, mas acreditava que tudo isso acontecia porque podiam fazer coisas que pessoas normais, chamados de comuns, não podiam.

Isso não era exatamente uma novidade, porém. A humanidade sempre odiou o que é diferente e que não entendem, mas que nunca tentaram fazê-lo.

Por que tentar acabar com o preconceito se ele proporciona a manutenção do poder e dos privilégios?

Uma bruxa não podia andar sozinha ou sem esconder quem é sob pena de alguém a flagrar e fazer sabe a Lua o quê.

Por isso as mais velhas, as Anciãs e a Suprema, decidiram que o melhor seria se esconder e recitar preces até que o mundo fosse um lugar mais justo e escolhedor para todos. Todavia, palavras e orações por si só nem sempre funcionam como a ferramenta salvadora dos fracos e oprimidos. Muitas vezes, é preciso agir e tomar atitudes que vão deixar marcas na pele sensível da sociedade.

MUNDOS CRUZADOSWhere stories live. Discover now