CAPÍTULO TRINTA E OITO

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— Coloque-a sobre a barriga dele.

E assim, Endro fez. Surpreendeu-se ao ver a flor flutuar sobre Márvi.

— Só isso? — Estava fácil demais e a feição de tristeza de sua mãe confirmava.

— Eu não me lembro do resto.

As lágrimas se juntaram nos olhos. Não podia deixá-lo morrer. Virou-se ao ouvir Belória.

— Eu sei como. Encontrei essa flor em um dos meus livros de poções. Você precisa chamar pela Senhora Morte.

Primeiro se aliviou e a esperança encheu seu peito para logo depois a dúvida o abalar fazendo inúmeros questionamentos surgirem a respeito do que ele estava fazendo. Era tudo loucura. Feito do desespero. Porém, Endro não se importava. Tentaria tudo que fosse possível.

— Como faço isso?

— Chame-a e não duvide de sua existência nem por um segundo. Tenha em mente que em nosso mundo tudo é possível.

Tremendo, desviou o olhar para Márvi. Sorriu mesmo ele não podendo ver e segurou o seu braço, fazendo um sutil carinho ali. Retornou as vistas a Belória e suplicou:

— Senhora Morte eu preciso da sua ajuda!

Nada aconteceu. Ninguém apareceu ali.

— Não deu cert...

Sua cabeça pendeu para a frente e a escuridão o envolveu. Endro teve a impressão de estar flutuando apesar de não ver nada. Não conseguia sentir a temperatura do ambiente. Ela simplesmente parecia não existir. À frente, uma luz fraca se tornava mais cintilante à medida que ele se aproximava. Um arrepio sacudiu o seu corpo.

O cheiro forte e desagradável que sentia às vezes, o atingiu. Antes que pudesse tapar o nariz, ele desapareceu. De início, não soube identificar o que era, mas logo a reconheceu. Era a mulher translúcida que viu duas vezes. Quanto mais perto dela ficava, mas de sua aparência era revelada. Ela possuía forma. Não era a fantasmagórica.

Flutuava sentada de pernas cruzadas e envolta por um longo manto arroxeado que deixava visível apenas algumas partes do seu corpo; o rosto do nariz para baixo, metade da garganta e a caixa torácica, expostos sem carne alguma cobrindo-os. Flores cintilantes coloridas saiam pelos ossos de sua costela iluminando em volta.

Se deu conta de que aquele odor que achava pertencer à Níria, era dela. A senhora Morte o estava acompanhando desde o início.

— O que te traz aqui, criança?

A voz suave e forte afugentou a de Endro. Piscou, recordando como se formulava palavras.

— Preciso que a Senhora devolva a vida do meu amigo... escolhido pela Marca. — As bochechas enrubesceram, mas não ousou abaixar a cabeça. — A vida da minha irmã e povo depende da volta dele ao nosso mundo.

— Se não há nada que o prenda na dimensão em que está, ele retornará.

Endro sorriu, o coração voltou a ganhar cor. Olhou em volta. Não havia nada mais do que escuridão. Retornou a atenção à entidade que flutuava a poucos passos de si. Com medo de ofendê-la e ela retirar a sua palavra impedindo Márvi de viver, reuniu toda a coragem que encontrou e perguntou:

— Como podemos vencer Níria?

Os lábios carnudos e escuros se esticaram sutilmente em um meio sorriso. Endro se encolheu. Tinha a ofendido.

— Você saberá!

Antes que tivesse a chance de perguntar como, foi sugado de costas refazendo o trajeto escuro de antes. Quando se deu conta, sentia novamente a umidade. Separou as pálpebras e ergueu o pescoço. Avistou primeiro a sua mãe que abriu um largo sorriso de alívio, era segurada por Dacas impedida de vir até Endro. Apertou de leve o braço que segurava, podia jurar que sentia calor ali.

Se aproximou da manjedoura. Resquícios de fios roxos desapareciam no corpo imóvel, pertenciam à Flor. Esperou ansiosamente pelos olhos que não via há dias. Os minutos se foram e Endro começou a se preocupar. Curvou-se apoiando a cabeça no peito de Márvi. Ouviu os soluços de Ralis e sentiu a sua dor.

Ela nunca mais veria a filha e o seu povo. Sabia que tinha de se afastar para que Marguel viesse até o corpo do filho, mas não conseguia.

Passado e FeitiçariaWhere stories live. Discover now