Capítulo 11 - Família

Start from the beginning
                                    

Eu não sabia onde enfiar minhas mãos, não sabia como reagir. Era errado que meu coração palpitasse toda vez que eu o encarava, que eu sentisse esse magnetismo me puxando quando estava em sua presença.

Eu era uma pecadora.

Mas não podia evitar.

― Meu pai me contou sobre o seu pai e eu precisava saber... Você está bem?

Três simples palavrinhas:

Você está bem?

E meu peito desabrochou.

Algo dentro de mim deu um clique e eu me desarmei completamente. O ar saiu dos meus pulmões como se tivesse estado preso lá dentro pelas últimas três horas em que estive na solitária.

Um pouco hesitante, assenti.

― Estou. Eu acho. É estranho - tentei explicar, embora eu não soubesse exatamente como. João esperou pacientemente enquanto eu organizava meus pensamentos. - Não estou revoltada nem magoada, eu nem gosto muito do meu pai, mas... Não sei. - E então, de repente, as palavras começaram a sair como uma enxurrada. - Eu vou ter mais um irmão e eu provavelmente nem farei parte da vida dele. Não o verei crescer, não saberei quando ele aprender a andar ou seu primeiro dente cair. Porque para isso eu precisaria conviver com o meu pai também. Meu pai que nunca teve nenhuma voz ativa na minha vida, que é só uma ligação telefônica de duas em duas semanas e agora vai ter outra família. - Eu não sabia que tinha tudo aquilo guardado dentro de mim. Olhei pra João, sentindo a indignação aquecer as minhas veias. - Como? Como se ele não deu conta nem de uma, pra início de conversa? Como ele vai criar uma criança se ele já teve quatro e mesmo assim não sabe nada sobre ser pai? E eu fico irada com isso porque, bem, eu sou bem-resolvida, eu não sinto nenhuma falta dele na minha vida, eu juro que cresci sem nenhum problema quanto a isso. Mas Hipólita sente. Apolo sente. E eles sim são minha família. Eu não sei mais direito como definir família.

Me joguei sentada na cama, deixando os sentimentos assentarem e tomarem seus devidos lugares dentro de mim. João se sentou do meu lado e não forçou. O silêncio entre nós era bem-vindo, era um apoio não dito. E eu fiquei agradecida por João compreender que ele era necessário.

― A minha mãe morreu então não sei como é ter um pai perdido no mundo.

Eu olhei pra ele, pega de surpresa. Até o momento eu não fazia ideia de que a primeira esposa do Otávio havia morrido. Acho que, por ser filha de pais separados e por achar tão normal minha mãe casar e descasar, eu inferi que com Otávio tivesse acontecido o mesmo.

― Eu sinto muito.

Fiquei com vontade de tocar a mão dele, pousada convidativamente em sua perna, bem do meu lado, bem ao meu alcance.

Mas mordi a língua e me contive. Olhei pra frente.

― Tudo bem - ele parecia sincero e eu relaxei um pouco. - Eu tinha dez anos quando aconteceu. Ela teve meningite, foi muito rápido. Tão rápido que foi chocante. Não sei se seria melhor uma doença em que tivéssemos tido tempo pra nos preparar, porque daí ela teria sofrido mais, né?

― Deve ter sido difícil pro seu pai cuidar de vocês sozinho depois de um baque como esse.

― Meu pai é um cara incrível - ele disse com um orgulho na voz que me fez olhar pra ele de novo. Havia brilho em seus olhos. - Não sei o motivo dos seus terem se separado, mas não deve ser muito fácil.

Eu dei de ombros.

― Na verdade, eu não sofri muito. Eu tinha quatro anos e a minha mãe nos disse que meu pai estava indo embora porque eles não se encaixavam mais como nas peças de lego - eu ri. - Mas acho que ele nunca foi um pai muito bom porque foi como se ele nunca tivesse estado lá, depois que foi embora. Hipólita sempre foi mais ligada a ele do que todos nós. E Apolo teve uma época de rebeldia. Mas não porque eles se separaram, sabe? Isso é normal, eles têm o direito de serem felizes. Mas pelo meu pai simplesmente esquecer que era pai.

Sob O Mesmo TetoWhere stories live. Discover now