Capítulo 3

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Tive uma crise de choro em cima do computador. Não que a Paty tivesse feito alguma coisa que originasse o rompante. Ela era minha editora e até poderia conseguir me fazer ir às lágrimas de vez em quando, mas a coitadinha não tinha competência para tanto.

Bem, falando daquele jeito podia até parecer que não gostava dela. Mas... Ah, tá bem! Eu não gostava mesmo. O problema era a inveja que a Paty sentia. Nunca conseguiu algo por mérito próprio. Vivia do trabalho dos outros, na sombra dos escritores que publicavam com ela. Sua vida se resumia a sentir vontade de ter o que os outros possuíam. Faltava-lhe brilho próprio.

Devia ser muito dolorido, pois sua mãe era muito competente e famosa. Deixou-lhe a Editora Sexo & Vida de herança. Ficava bem claro que a Paty não tinha a menor competência administrativa. Logo no começo, quase que a empresa entrou em falência, mas contratou um administrador, que conseguiu recuperar o estrago.

Comigo, particularmente, ela fazia questão de ser ainda mais implicante.

A minha sensação era a de que a infeliz possuía problemas sexuais, porém não tinha coragem de dizer. Assim ficava brava por esse ser justamente o meu tema. Para deixar a situação ainda mais dramática, meus livros estavam entre os que mais vendiam na editora. Por isso ela não podia nem me dispensar.

A Paty era o tipo de gente que me irritava. Centralizadora, dominadora, controladora e mais um monte de outros "ora" que tiravam qualquer um do sério. Só que a sua editora (rimou) era a que pagava melhor e fazia os contratos mais vantajosos para o autor.

Não havia para onde correr.

Vivíamos uma presa à outra. Nossa relação era de implicância mútua. Não conseguia conviver com ela e muito menos viver sem ela. Sei lá, a impressão que tinha era que ela me invejava mais que os outros. Estava sempre imitando o meu corte de cabelo, as minhas roupas, os meus passeios. Possuia um interesse mais que natural nas coisas que aconteciam na minha casa, no meu casamento...

Enfim, tínhamos uma relação de trabalho antiga e sem data para acabar. Como possuíamos um relacionamento em que ela mandava e eu só obedecia, a chata achava que podia pisar e humilhar. Para piorar, eu aceitava calada todas as grosserias.

Eu era assim mesmo. Tinha um sério problema em me impor. Todo mundo achava que podia gritar comigo, já que não reagia. Ficava brava. O pior de tudo era que, na hora das discussões, ficava calada e chorava. Depois pensava: "Deveria ter falado isso e aquilo" ou qualquer variação do tipo.

José Ronaldo vivia pegando no meu pé por conta desse meu jeito bobão, porém ele era um dos que mais se beneficiava. Eu era um pau mandado, mas tinha que reconhecer que graças a isso cheguei aonde cheguei. Meu marido dissera: "Luciana, seja uma sexóloga competente, escreva livros, fique famosa e tudo ocorrerá bem".

Apenas obedeci e continuava obedecendo.

Voltando ao começo, o choro daquela vez foi quando eu estava escrevendo o capítulo "Coisas proibidas em um relacionamento".

Tinha todo um ritual para escrever. Antes de começar a trabalhar, alongava os braços, o pescoço e os pulsos. Oxigenava o cérebro, dando uma boa suspirada. Tomava uma xícara de chá verde para dar uma turbinada nas ideias. Sentava em frente ao computador. Meus textos saíam como uma enxurrada.

Sem querer me gabar, nunca demorei mais de dois meses para terminar um livro. Contudo, parecia que as coisas estavam empacando naquele momento. Não conseguia saber se era porque estava ficando velha, ou se percebia o quanto o meu casamento era infeliz.

Liguei o computador, depois de largar a xícara em um canto, e comecei a digitar:

Coisas proibidas em um relacionamento:

Apimentando - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora