Capítulo 01

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 Quinze anos trabalhando como sexóloga. Desde que entrei na faculdade de Psicologia, dediquei-me ao estudo do sexo. As pessoas sempre achavam graça quando eu dizia que o Kama Sutra era um objeto de trabalho. Eu sabia de todas as coisas inimagináveis que fossem de cunho sexual, bastava ter comprovação científica.

Na teoria, eu poderia ser considerada uma "Deusa do Amor". Não existia problema algum na cama que eu não fosse capaz de resolver. Bem, apenas teoricamente... Na prática, a coisa não era tão simples assim. Como já dizia o ditado: "em casa de ferreiro, o espeto é de pau".

Nem sempre fui famosa, muito embora me esquecesse disso pela maioria do tempo. Já havia me habituado a ser uma pessoa pública e a não passar despercebida nos lugares. O curioso de ser uma celebridade é que acham que já nascemos assim, ricas e bem-sucedidas, o que não é nem um pouco verdade.

Eu e José Ronaldo, meu marido, demos muito duro para chegar onde chegamos. A vida não nos deu absolutamente nada de graça, de mão beijada ou na bandeja. A ralação foi constante nos primeiros anos de nossas carreiras. Mas eu era obrigada a reconhecer que a sorte andou de mãos dadas comigo.

Fiz sempre tudo do jeito que mandava o figurino. Era filha única e nem por isso me tornei uma mulher mimada ou revoltada. Fui uma aluna mediana, formei-me tranquilamente no Magistério em um colégio de freiras. Nunca tive um comportamento padrão de adolescente, do tipo fumar escondida no banheiro ou beijar um monte de garotos nas festinhas de aniversário. Era muito tímida, e meus pais, muito bravos. Nos finais de semana geralmente ficava em casa e, por anos, escutei que, se eu chegasse muito perto de um menino, ficaria grávida. Só pelo simples fato de respirar o mesmo ar que ele.

Na minha família nunca existiu diálogo. Sempre escutei que criança não tinha querer e que os mais novos não podiam se meter na conversa dos mais velhos. Justamente por conta dessa criação rígida, foi difícil arrumar o primeiro namorado. Até mesmo porque, da primeira vez que me interessei pelo sexo oposto, fiquei com tanto medo de tudo aquilo que diziam que pudesse acontecer comigo que fui rezar e pedir perdão por ter tido um pensamento tão podre como o de me aproximar de alguém que possuísse um pinto. Mas os hormônios são coisas terríveis, então acabei me envolvendo com um carinha que era tão esquisito quanto eu.

Namorei esse rapaz durante cinco anos, perdemos nossas virgindades juntos. Confesso que fiquei decepcionada, pois achei que aquilo não era nada de mais, nem de menos. Apenas sem graça, como comer chuchu. O tempo foi passando e o natural seria que casássemos assim que tivéssemos um curso superior.

Mas, quando meu namoradinho entrou na faculdade, descobriu que existia todo um mundo novo e que nele havia álcool, drogas e outras mulheres que não eram tão sem graça quanto a sua namorada. Por pura imaturidade, ainda me enrolou mais um pouquinho. Porém, assim que percebeu que não teria para onde correr, deu-me um pé na bunda.

O trágico foi que eu já tinha montado todo o enxoval.

Fiquei meses chorando. Achava que nunca mais seria feliz. Não porque gostasse dele, mas porque acreditava que seria muito difícil achar alguém que se interessasse novamente por mim. Só que também entrei na faculdade e, como que por um milagre, também fui capaz de perceber que existiam álcool, drogas e outros caras.

No entanto, minha reação foi totalmente oposta à do meu ex. O que fiz foi me enfiar no grupo dos nerds. Ficávamos revoltados ao chegar ao campus da UnB, para uma aula que começaria às 8h da matina, ao passo que o pessoal saía bêbado da festa que tinha terminado há poucos minutos. Mas fazíamos nossas próprias farras, do tipo jogar xadrez no sábado à tarde ou participar de um clube do livro. Foi num desses encontros que conheci José Ronaldo.

Ele era estudante de Medicina. Encontramo-nos algumas vezes na entrada do laboratório. Futuros médicos não costumavam conversar com mais alguém que não fosse médico. O que mais me encantou no José Ronaldo foi a sua humildade e simpatia. Falava com todo mundo, não tinha frescuras, nem estrelismos. Respeitava a Psicologia, o que era ainda mais raro no prédio da Medicina.

Apimentando - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora