O perigo mora dentro de nós

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(...)


Antes mesmo que eu pudesse me dar conta, o sono havia me consumido. E lá estava, em meus sonhos, o mesmo homem que me assombrava em meus pensamentos. Sua fala doce e rouca, seu hálito sempre fresco com gosto de morango, sua pele macia. Minhas mãos estavam entrelaçadas às suas, seus olhos nos meus, seu nariz no meu. Nossos hálitos quase se misturavam mesmo em meio à multidão de pessoas. Não sabia aonde estávamos. Um baile de formatura? Uma festa de gala? Um casamento qualquer? Pouco importava. Os olhos cor de âmbar, doces e gentis estavam à minha frente. E eu gostaria que o mundo desabasse, eu gostaria de que nada do que aconteceu realmente houvesse acontecido. Eu gostaria que Javier fosse meu. E eu sabia que estava em um sonho. Sabia que acordaria. Mas mesmo assim, mesmo em sonho, eu gostava de poder vê-lo novamente, de poder tocá-lo, de senti-lo junto a mim.


-Você está linda. - O Javier de meus sonhos falava. E eu sorri, mesmo sabendo que aquilo tudo era uma grande farsa. Eu já sabia diferenciar o material do imaterial. Ele não poderia me enganar novamente. - Poderíamos viver assim. Poderíamos ser felizes para sempre, o que você acha? - Eu concordei com a cabeça. - Podemos esquecer de tudo isso, Íris. Eu tenho alguns motivos para ser o pior homem da sua vida. Mas tenho muito mais motivos para ser o melhor. Você precisa saber da verdade. Precisa voltar para mim.


-Não é fácil. - Apoiei minha cabeça em seu ombro, enquanto uma música lenta tocava. Movemos nossos corpos ao som da música.


-Sei que não. Mas não vê que é tudo tão simples? Aos poucos, os amigos tornam-se desconhecidos. E os desconhecidos tornam-se amigos. Ainda há coisas sobre mim que você precisa conhecer. Eu não fiz nada por mal. Eu não sabia no que estava me metendo, Íris.


-Eu não sei mais em quem confiar, Javier. Eu confiava em você, e minha confiança foi quebrada. A única pessoa em quem confio é Gabriel. - Suspirei com pesar.


-Suas palavras denotam algum tipo de sentimento diferente por ele, Íris. Ele apaixonou-se por você? Será que fui um incômodo tão grande na sua vida assim? Ele conseguiu ocupar o espaço no seu coração que eu vinha tentando ocupar?


-Este espaço sobre o qual fala já era seu, Javier. Você o desprezou. - Soltei-me de suas mãos, de seu corpo, e senti o vazio existencial que vinha me incomodando desde sua partida. O vazio que era causado por sua aparente inexistência.


-Não me deixe. - Sua voz suplicava. Lágrimas corriam pelo meu rosto.


-Eu já havia pedido isso para você, Javier. Pedi que não me deixasse. E você foi embora. Agora é a minha vez.


(...)


Eu tive a mais absoluta e concreta certeza de que aquele não fora um sonho comum. Eu falei aquelas coisas. Eu sabia do que estava falando. Encontramo-nos, realmente. Em sonho. Passei as costas das mãos pelo rosto, e lá estavam minhas lágrimas. Olhei para o lado e Gabriel ainda dormia tranquilamente. Eu não poderia fingir. Não poderia dizer que Javier sumiria da minha vida de forma pacífica. Ele não sumiria. E nem eu gostaria que ele sumisse. Alguma coisa nessa história estava muito errada, e eu descobriria. Prometi a mim mesma que não deixaria mais ninguém me fazer de idiota.

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