Capítulo 1

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O cheiro azedo de fermentação dos pães em processo de crescimento foi a primeira coisa que sentiu quando despertou, ainda com os olhos fechados se aninhou sob as peles se permitindo ouvir apenas o crepitar da lenha na fogueira, agora quase extinguida.

Sabia que em breve sua avó entraria no quarto simples para acordá-la e orientá-la a iniciar os deveres do dia: soltar os patos e galinhas, coletar ervas e colher frutas no bosque, fora as infinitas atividades que realizavam todos os dias na aldeia.

Ainda assim quis saborear esses poucos instantes de descanso, sabia que estava tendo uma trégua e por isso ainda não havia escutado os passos lentos em direção a porta, a avó a deixava dormir um pouco mais após o amanhecer em algumas ocasiões e com a aproximação do ritual, imaginou que hoje seria um desses dias.

Sigrid sentou-se na cama de palha e passando os dedos nos longos cabelos escuros, começou a fazer tranças para conter os fios, viu uma bacia de latão ao lado da cama com água limpa, debruçou-se sobre ele e observou se reflexo por um momento, os olhos castanhos claros ainda inchados de sono piscavam lentamente enquanto Sigrid despertava.

Jogou as tranças sobre os ombros e com um pano, limpou o rosto pálido, o outono longo e com pouco sol havia lhe deixado com a pele clara, ressaltando as sardas que se espalhavam discretas sobre o nariz, passou o pano úmido pelo corpo com agilidade, pegou o par de tranças e as cruzou sobre a cabeça, deixando-as presas de forma que não ficassem no caminho.

Levantou-se e começou a tirar a roupa de dormir, trocando-a por uma blusa de algodão crua e grossa e um vestido longo marrom com bolsos na frente, espalhou os dedos dos pés no chão e sentiu a madeira fria contra a pele, decidiu usar as meias de lã feitas pela a avó, calçou suas botas e se olhou uma última vez na bacia de água ajeitando uma mecha de cabelo que caiu fora do penteado.

Quando estava dobrando a camisola e forrando as peles sobre a cama ouviu o ranger da porta e um rosto severo, porém afetuoso surgiu na fenda, com um sorriso leve e rugas profundas, sua avó parecia estar satisfeita por encontrá-la já pronta.

- Preparei um mingau para você, é bom se apressar ou as galinhas vão começar uma rebelião lá fora.

Sigrid riu e concordou com um aceno de cabeça, sentou-se na mesa de madeira e envolveu a tigela esculpida com as mãos, aproveitando o calor emanado pelo recipiente com o mingau ainda fumegante, o sabor era delicado e doce pela adição do mel colhido na primavera passada e que agora era um alimento valioso durante o fim do outono.

A avó foi em direção ao balcão de pedra e começou a fazer a última sova do pão antes de assá-lo e sem se virar para Sigrid, começou a falar sobre a colheita de abóboras, as duas conversaram sobre isso por alguns minutos até que Sigrid se calou enquanto passava a colher no fundo da tigela, pensativa. A avó se virou para ela e limpando as mãos no vestido, puxou a cadeira à sua frente e se sentou.

-Está com medo?

-Ainda não sei bem o que estou sentindo... e se eu não for boa como a senhora ou se acontecer comigo o mesmo que a minha mãe?

A avó segurou sua mão entre as suas e apertou levemente e com um olhar firme falou, segura.

-O caminho de uma sacerdotisa está escrito nos livros dos deuses Sigrid, a trajetória da sua mãe foi importante para a nossa comunidade, mesmo que seu fim tenha sido triste, eu me orgulho de cada passo que ela deu e tomei seu lugar com honra e agora irei passá-lo para você. Estou velha minha neta... e você será grande, os deuses já sussurraram no meu ouvido.

Sigrid levantou a cabeça e com os olhos marejados apertou a mão da avó em retribuição afetuosa, concordando com a cabeça. Sabia do seu destino e obrigações, as mulheres de sua família já caminharam nessa estrada muitas vezes antes e ela não as decepcionaria.

As Cinzas de PhiedrineWhere stories live. Discover now