3 - O BANDO DE RENEGADOS

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Por mais constrangedor que fosse acordar em uma casa desconhecida depois de um incidente estranho para não dizer traumático e cheio de curativos usando uma roupa diferente das últimas que se lembravam de terem vestido da última vez, quanto mais tempo eles passavam naquele ambiente, mais a sensação de segurança aumentava. No entanto, não era só isso para se falar a verdade. Era como se aquele "algo especial" crescendo dentro deles, um já sentindo no outro, agora estivesse também na atmosfera misteriosa daquele lugar. 

Naquele primeiro momento, tanto Luan quanto Luna foram surpreendidos depois de misteriosamente acordarem do mesmo pesadelo naquele lugar, deitados naquelas camas e cercados de dez pessoas que eles nunca tinham visto na vida. Mas as coisas começaram a mudar instantaneamente a medida que o pouco que conseguiam se lembrar dos últimos detalhes da noite anterior lampejaram em suas cabeças. Foi quando ambos se lembraram que aquele grupo de pessoas, ou pelo menos a grande maioria deles tinha aparecido no meio daquela rua escura onde todo aquele terror havia acontecido. 

A partir desse momento uma tempestade de perguntas não respondidas começava a minar na cabeça de todos ali, Luan e Luna tinham muitas perguntas semelhantes como por exemplo: quem eram aqueles jovens olhando eles dormir? Que lugar era aquele? Por que aqueles homens na noite passada não pareciam ser humanos? Como e por que o centro da cidade de São Paulo de repente se transformou em um completo e escuro dilúvio? Por outro lado, nas mentes de várias daquelas dez pessoas que olhavam para eles como se eles fossem sobreviventes de um terremoto surgia um turbilhão de perguntas muitas delas relacionadas ao que os dois fizeram sem querer no momento em que se tocaram. Cada uma dessas perguntas permaneceu por um tempo atrás de um enorme muro de cuidado e gentileza.

Enquanto toda aquela gente que se comportava como anfitriões daquele apartamento antigo e enorme, Luan e Luna ainda tentavam processar tudo o que estava acontecendo. Ambos estavam mais tímidos, silenciosos. Tudo por que enquanto eram colocados para tomar café da manhã em uma mesa absurdamente grande cheia dos mais variados pães, bolos, bebidas e queijos, os dois também eram bombardeados de olhares e sorrisos de todos aqueles jovens que pareciam variar de 20 á 30 anos, cheios de intimidade uns com os outros, riam exageradamente de qualquer coisa, se provocaram, eram efusivos e muitas das vezes pareciam falar coisas que só eles mesmos sabiam entender. Tudo isso enquanto Luan ainda conseguia se lembrar do gosto de seu próprio sangue escorrendo do seu nariz e se misturando com a chuva forte. Estava absolutamente tímido, mas não se sentia mal, já conseguia sentir que gostava daquelas pessoas ou pelo menos do elo que elas tinham umas com as outras. Luna por sua vez estava ainda mais congelada, não conseguiu por muito tempo tirar os olhos de uma xícara branca com detalhes dourados posicionada logo a sua frente na mesa, muito menos manter um mínimo contato visual com qualquer pessoa dali.

 Elas às vezes olhava em volta e via os móveis, os objetos de decoração, a mobília num geral e tudo aquilo parecia absolutamente caro e extremamente diferente de tudo que ela já tinha visto em sua infância e adolescência no interior de Minas Gerais. De maneira geral havia pinturas e esculturas demais retratando corpos femininos nus, aquilo não era muito comum em uma casa comum, por mais ou menos afortunados que fossem. Foi quando notou que haviam muitos outros objetos que pareciam ter vindo direto da mais sofisticada loja de esoterismo ou de um museu de história africana.

Havia um aparador atrás da mesa apenas para todas as formas, cores e tamanhos de cristais, espelhos, castiçais, ídolos, incensos e objetos que ela não sabia o nome. Havia velas e plantas em toda parte, presas em suportes no chão, nas paredes, no teto, sobre outros móveis e etc. Plantas latifoliadas, tropicais, trepadeiras, orquídeas coloridas e com formatos também nunca antes vistos por ela. Em uma mesa de centro mais distante tinha um punhal e uma caveira juntos ao que parecia ser um cinzeiro. Nas paredes tinham quadros, tapeçarias e peças de artesanato africano, enormes máscaras compridas que pareciam ser feitas de barro ou madeira e em tudo, detalhes brilhantes como ouro. Bastou Luna sair de uma xícara e começar a varrer aquela sala com seu olhar e logo Luan começou a fazer o mesmo. Definitivamente aquelas pessoas tinham dinheiro e muito apreço pela cultura iorubá. Mas o que impressionou mesmo o rapaz de cabelos cacheados que sentia sua face latejar por trás de um ou outro curativo pequeno foi a vista daquele apartamento refletida em um espelho na outra sala. Ele se virou e reconheceu imediatamente a Igreja da Sé um pouco mais ao fundo. Não estavam em um bairro nobre e afastado, estavam em plena Praça da República, centro da cidade. Ele acabou se levantando e indo até a sacada do apartamento, foi quando notou que aquele era um dos últimos, se não o último andar de um antigo e clássico edifício no centro da grande metrópole e que dali eles tinham uma impressionante vista daquele emaranhado de prédios e fios que agora chamavam de sua cidade.

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