Irmandade

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Escuridão.

O vazio de seus sentidos ecoou na mente como se a morte houvesse o abraçado. Ou assim ele pensou. Tentou gargalhar, mas a boca parecia presa, dura. Era estranho não poder fazer a coisa mais simples: celebrar a vida.

Seu pai diria para ele não ter distrações por causa do medo ou deixar o desespero correr solto por suas veias. Ele preferia uma abordagem mais sublime e digna de Ignácio Cortez: gritar aos quatro dos ventos. Talvez alguém o ouvisse e chamasse a polícia.

Claro, assim que a boca voltasse a se mexer.

Quando viu sua amada sendo levada para um beco, ele se assustou. Assustou-se mais ainda quando uma mão grande tapou sua boca e a ponta brilhante de uma agulha se aproximou de sua nuca. Tinha de reconhecer a sincronia daqueles homens.

Quando recobrou a consciência, enxergou apenas a escuridão do tecido preto que cobria toda a sua cabeça. Também não escutou nem um mísero ruído devido ao que quer que estivesse abafando o som em seus ouvidos.

Ignácio ameaçou abrir um sorriso, só para a boca travar novamente. Já estava se irritando com aquilo. Seus captores exageraram demais em suas capacidades. Não era um espião e tinha um péssimo senso de direção, não à toa sempre usava motoristas de aplicativo ou taxistas para se movimentar na cidade.

Por outro lado, Jane era.

E não havia ninguém em que ele confiava mais para lhe tirar de enrascadas do que ela. Talvez seu aprendiz, mas amava quando a mortalidade se equiparava com a beleza.

Queria ela ao seu lado na vez em que usou o GPS no Sudão e foi parar em uma zona perigosa, onde teve o carro, a carteira e o celular roubados. Nunca mais confiaria totalmente nos caminhos em cidades que ele desconhecia.

Sua visão captou uma luz que lhe tirou do devaneio, como uma espécie de guia na escuridão, os pelos se arrepiaram. Ele se imaginou dentro de uma câmera de alta resolução, cujos fenômenos eram captados frame por frame, pixel por pixel.

Ouviu um som suave no qual juraria que Chopin vinha pessoalmente levá-lo para os céus. O mar de neurônios, cujas sinapses lhe diziam que ele ainda mantinha certa humanidade, se deliciavam com a ideia de viver em um paraíso com os maiores gênios artísticos da história.

Na iluminação fraca, seus olhos lutaram por uma visão melhor, piscando sem parar até se acostumarem aos feixes de luz. Por um momento, ficou impressionado com a beleza etérea daquele brilho tênue que o atraía como um ímã. Era como olhar para a luz no fim de um túnel escuro, que conectava dois mundos.

Sentiu o brilho lhe envolver, enrolando-se aos membros da mesma maneira que a mão invisível do mercado. E, então, algo lhe jogou para o centro da esfera brilhante.

Wakey, Wakey! — Uma voz que ele reconhecia chamou-lhe quando o pano negro e os protetores de ouvido foram retirados. Ajustando os olhos e tentando ignorar uma dor pulsante na cabeça, ele procurou se localizar. Uma tarefa árdua. — Rasputin, o que você deu para ele?

— A mesma coisa que você deu para ela. — Escutou uma nova voz, mais grave e rouca que a primeira. — Estou vendo alguns hematomas, Lupin...

— Não se engane pelo tamanho... A senhorita Andrade é agressiva e corajosa.

O sotaque sul-africano e o nome foram revelações enfáticas. Ao se ajustar à claridade, viu um homem robusto de pele escura com uma jaqueta caqui cruzar os braços e conversar alegremente com um rapaz de tez mais alva e um leve cavanhaque.

Engoliu em seco. Ao virar a cabeça para o lado, viu uma mulher de cabelos castanhos com a cabeça abaixada e as bochechas inchadas amarrada a uma cadeira. Só então se deu conta de que também estava amarrado à cadeira.

PT-BR | O Cetro MalditoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora