— Vocês são muito desconfiados, Marcy.

— Por que diz isso? — ela se sentou na cadeira confortável que ficava ao lado do aquário de parede.

— Todos esses bloqueios que colocam em sua rede de comunicação... Seus temores de me expor a seu mundo são infundados.

— É que as pessoas podem ter reações irracionais. — Marcy ficou olhando para os peixes e relaxou um pouco. Era difícil se acostumar a manter uma conversação longa com o alienígena e principalmente encarar seu olhar, por muito tempo.

— Um dia vocês vão aprender como redesenhar o vosso telencéfalo. Ele está preso a circuitos primitivos de medo, defesa e emotividade excessiva. Mas a vossa ciência mal toca os rudimentos da programação genética.

Marcy suspirou e voltou a olhar para Skatix.

— Por favor, nos ensine!

— Estou fazendo o possível, mas a evolução de vossa ciência não pode ocorrer em saltos. Vocês precisam dominar as técnicas, ou ficariam dependentes de seguir minhas instruções o tempo todo, e eu sou apenas um. Além disso, você entende bem as teias de dependência que existem para que uma indústria de dado nicho consiga funcionar. Não é um trabalho individual, mas uma construção coletiva.

— Deve ser frustrante...

— Frustração pressupõe expectativa.

— O senhor não tem expectativas?

— Poucas. Ainda tenho dúvidas quanto à viabilidade de sua civilização evoluir no longo prazo... E não estou a espera de um resgate.

— O senhor já leu as obras religiosas? O evangelho, o corão, textos budistas?

— Duvido que eu os compreenda da forma que os humanos o fazem. A pequena Marcy acredita nesses textos? Em milagres?

— Desconfio que o que chamamos de milagres sejam apenas coisas para as quais não encontramos explicações racionais...

— Não está de todo errada.

— Tem quem acredite que os sábios da humanidade foram extraterrenos, ou ao menos, estiveram em contato com eles no passado. Essas crenças podem ser válidas?

— E de que valem tais crenças, pequena Marcy? Vossa evolução ainda não chegou ao ponto de se valorizar a verdade. Há muita relativização, cada qual uma narrativa lhe seja conveniente. A subjetividade sobrepõe a realidade, a ciência e os valores comuns. Há descaso pelos fatos, a substituição da razão pela emoção que diminuem o próprio valor da verdade. São pouquíssimos entre vós que conseguiram mergulhar em profundidade para ter um vislumbre da verdade.

— O senhor conhece a verdade? A verdadeira natureza do universo? — Marcy passou os olhos pelas câmeras que registravam tudo que acontecia ali. Estavam atreladas ao sistema central que criptografava tudo sob forte esquema de segurança digital.

— A mente finita não pode englobar o infinito. Mas o filho do carpinteiro estava certo ao dizer que existem muitas moradas na casa universal.

— Seu povo teve contato com outras civilizações além da nossa?

— Encontramos vestígios de muitas. Muitas brotam, formam seus bulbos, mas poucas florescem e lançam pólen estrelar.

— Mas, explorador Skatix, o senhor não poderia ligar para casa, ou talvez, abrir um buraco de minhoca...

— Vossos cientistas criaram uma hipótese interessante em relação a tais buracos, mas não compreendem o que são de fato. Tudo está conectado, mas os planos são separados. É necessário aparato físico das dimensões espaciais para viajar. E quanto a comunicação com meu povo, isso não é um problema. Mantenho contato.

— Mas como?

Skatix tocou a fronte de sua enorme cabeça cascuda com a protuberância que seria equivalente ao nosso dedo indicador.

— E eles vem buscá-lo?

— Isso não é necessário. Minha jornada até aqui está limitada pelo tempo de existência do meu aparelho físico. Então, não irá demorar para eu retornar aos meus.

— Quanto tempo?

— Quinhentos, talvez seiscentos ciclos da Terra.

— Isso é pouco tempo?

— É claro! Minha espécie aprecia o tempo em escalas de milhões de anos.

— Sobre as civilizações de que falou. O que as levou à ruína? Desastres? Colisões de corpos celestes?

— A maioria delas deu cabo de si mesma. O autoextermínio é uma força que atua sobre as civilizações sencientes. Algumas fazem isso através de guerras, outras, destruindo seu meio ambiente. E pelo que vi, sua humanidade caminha para o abismo por ambos caminhos. Eu não me surpreenderia se tivesse que abreviar minha estada aqui por um destes motivos.

Marcy apertarva as mãos, nervosa. Temia pelo pior. Temia pelo futuro de suas filhas. Aquela conversa não era das mais animadoras. Skatix já aprendera a ler muito bem a linguagem corporal e as emoções humanas.

— Relaxe, pequena Marcy. Aproveite cada momento, cada dia. Não pense demais sobre o futuro de sua espécie, isso não deve pesar sobre seu casco. Nada que você possa fazer individualmente irá salvar ou condenar vossa civilização. Ademais, cada fagulha de vida do universo está conectada e em constante evolução, a realidade física, perceptível aos vossos sentidos, é apenas a camada exterior. Olhando para dentro e em profundidade, poderá alcançar a luz da verdade. O apego a ideias e fluxo constante de pensamentos são infeções da mente. Veja os peixinhos do aquário? Parecem aflitos?


Tempestade de Ficção #3 - Mutantes e AliensWhere stories live. Discover now