Capítulo Um

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Acordar todas as madrugadas às 3h15 nunca seria agradável, e parecia que nunca mudaria. A primeira vez, despertou ao toque do telefone, quando recebeu a notícia do acidente sofrido por seu marido. Ela não falhou em acordar todas as outras desde então.

Na madrugada fatídica, Norah saiu da cama aos tropeços e se vestiu como pode enquanto explicava o ocorrido aos sonolentos filhos: Cássio e Eliza. Os três seguiram para o hospital em silêncio, esperando o pior.

Que se confirmou.

Téo Mendes faleceu antes que recebesse os primeiros atendimentos hospitalares. Partiu aos 44 anos deixando uma inconformada viúva, inconsolável, até mesmo pelos filhos que igualmente sentiam a perda do pai.

Para Norah era inconcebível que um homem amoroso e competente, ainda novo, pudesse morrer num acidente estúpido no qual o carro sequer sofreu sérios danos ao colidir contra o poste. Sua revolta foi contida durante as despedidas finais. Contudo, uma vez sozinha, ela extravasou sua fúria, tristeza e dor nos objetos de seu quarto.

Ignorando os chamados dos filhos, que batiam na porta trancada, Norah quebrou abajures, frascos de perfumes, porta-retratos, quadros, espelhos, vidraça, tudo. O único objeto que restou foi o velho violão – presente de seu pai – que ela mantinha sobre uma baqueta como decoração, uma vez que não sabia tocar uma nota sequer.

Ao segurar o violão pelo braço e se posicionar para batê-lo contra a parede, Norah se lembrou de como ela e o marido se divertiam ao tentar tocá-lo, em como riam com o som horrível que produziam e em como prometiam se inscrever num curso no dia seguinte. Nunca fizeram. Talvez como um entendimento mudo de que era divertido do jeito que faziam.

Não, ela não poderia destruir o violão.

Por essa razão ele estava lá, sobre sua banqueta, decorando o quarto totalmente recuperado do ataque feroz que sofreu sete anos atrás, "olhando" para a dona que, mais uma vez, acordou às 3h15 da madrugada com o silêncio, sobressaltada como se o telefone tocasse insistentemente.

Como das outras vezes, Norah se levantou, foi até a cozinha para tomar um pouco de água e seguiu até os quartos dos filhos.

Eliza, agora com 22 anos, dormia profundamente ao lado de seus livros de odontologia. Norah sorriu, recolheu-os e os deixou sobre a mesa do computador antes de sair.

Para variar, Cássio não estava na cama. Mas sua mãe sorriu da mesma forma antes de fechar a porta e seguir para o próprio quarto.

O rapaz era ajuizado e não se esperava que um solteiro de 25 anos estivesse em sua cama numa madrugada de sábado. Depois de uma semana desgastante, na qual seguia os passos do pai atuando como técnico em logística – esperava-se que também chegasse à gerência da área – Cássio tinha todo o direito a alguma diversão.

Norah aprovava até mesmo as companhias do filho. Não tinha dúvidas de que ele estaria compondo o "quarteto fantástico". O apelido fazia jus aos quatro garotos, amigos desde a infância ou adolescência.

Cássio era o mais bonito de todos: evidente! E havia Marcos, Denis e Caio. O grupo era, de fato, bonito. Todos os meninos combinavam em muitos aspectos. Eram educados, divertidos e responsáveis acima de tudo.

Até onde Norah sabia – com exceção aos chopes e caipirinhas nos finais de semana –, nunca se envolveram com drogas ilícitas, em brigas, rachas ou quaisquer coisas que jovens menos desajuizados costumavam aprontar.

Resumindo, não tinha com o que se preocupar! Norah pensou ao se deitar.

Seu estúdio de fotografia ia bem, obrigada! Não fosse pelo hábito involuntário de acordar no meio da madrugada, ela poderia dizer que era feliz.

Pumft! A quem queria enganar?

Proibido pra Mim [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora