Novo paciente.

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Mikhael Linnyker

Não costumo aceitar pacientes de última hora, mas esse me chamou a atenção. O que é bem raro no nosso hospital, é ter pacientes com transtornos alimentares e decidi pegar seu caso, pois nossa equipe não está acostumada com esse tipo de caso, fora que após ver suas informações, vi que o mesmo estava em uma situação de alerta há um tempo, o que faz-me questionar sobre o porque sua família não procurou um hospital antes. De qualquer forma, eles pareciam desesperados e não queriam que ele fosse embora nem tão cedo de lá, além de que meu pensamento sobre isso, sendo um profissional há algum tempo, é de que ele irá ficar no mínimo, por uns seis meses internado. Casos extremos como esse exigem uma equipe bem preparada e pessoas para o vigiarem quase que diariamente. O mais difícil não é impor regras alimentares, é fazê-lo seguir tudo à risca, pensando em sua mente, que o faz querer negar tudo aquilo e pensar que é apenas para seu mal e que nada será realmente bom, a não ser o seu corpo em magreza extrema. Em sua mente, ele ainda não alcançou a meta propriamente estipulada e se encontra além de acima do peso o bastante para continuar a sua dieta e sua rotina de exercícios. Sua vida gira em torno disso, ele vive por isso e a partir que tiramos isso dele, o seu mundo desmorona e é nessa hora que o mesmo precisa do maior apoio possível, para perceber de uma vez por todas, que parar com tudo isso, fará sua qualidade de vida melhorar.

O seu nome era Tarik Pacagnan. Conhecia essa família, era uma bem conhecida daqui da cidade e eu não ouvia tão bem sobre ela, o que foi mais um motivo para poder aceita-lo como meu paciente. Mentirosos ou não, me preocupo com todos os pacientes. Sendo meus ou não. E poder acolhe-lo neste momento de fraqueza é uma das coisas mais importantes para mim. As coisas estavam mais paradas no hospital ultimamente e não havia muito pacientes por lá, o que era extremamente bom, por isso, irei prioriza-lo nesse momento e o fazer se sentir completamente seguro onde estará daqui para frente. Será basicamente uma segunda casa e eu quero poder proporciona-lo o melhor, assim como faço com todos os meus pacientes. Nesse momento estava com ele na ambulância junto com outros dois enfermeiros que pedi para me acompanharem. Fiz um check up rápido nele ainda dentro daquela ambulância para saber se não precisava me preocupar e senti suas pernas bem frágeis, como se fossem parar de se movimentar a qualquer momento. De qualquer forma, era sim um caso extremo. Respeito seu espaço e opto por não dialogar até chegarmos ao hospital, onde eu precisaria mostrar seu quarto e um pouco do prédio.

— Bom... Tarik, irei te guiar até seu quarto e mostrar um pouco do prédio. — Digo sério, olhando-o, que apenas assente com a cabeça. Tinha um problema sério de ser reservado e não demonstrar tanto meus sentimentos. Mesmo que meu trabalho exija isso, não costumo fazer com quem ainda não é conhecido aos meus olhos. Espero que ele não me ache assustador. Andando um pouco e subindo alguns andares, chegamos em seu quarto que já havia sido preparado para o receber. Entramos e deixo sua mala no canto da parede. — Esse é o seu quarto, seu novo lar. Espero que se acomode bem e se sinta confortável. — Olho para trás e consigo ver seu rosto completamente vislumbrado pelo cômodo que acabara de entrar.

— Uau! Mike, esse quarto é muito grande e lindo! Bem melhor do que aquele sótão apertado, cheio de poeira e insetos. — Ele se joga na cama. Talvez o que eu ouvi sobre a sua família não seja tão exagerado assim. Poder lhe proporcionar o que deveria ser o mínimo e ver como demonstra em relação a isso, é uma mistura de sentimentos. Revolta e raiva, alívio e felicidade. Logo o mesmo se senta e olha para mim, que no momento, me encontrava encostado em uma das paredes, não querendo incomoda-lo. — Por que decidiu ser meu médico?

Pelo visto, ele era bem sincero e direto. Gostei disso. — Seu caso é extremo e eu sou o mais qualificado daqui para cuidar disso. — Desvio o olhar para algum lugar do quarto, mantendo minha feição neutra. — Você não precisa se preocupar com nada, te dou minha palavra que irei cuidar muito bem de você. — Tento passar confiança em minhas palavras. Antes de tudo, ele precisa entender que sou o responsável pela sua recuperação a partir de hoje e que iria dar o possível para o dar alta o mais rápido possível. — Mas, levanta daí, preciso te mostrar um pouco do prédio. Minha agenda é um pouco cheia. — Logo ele se levanta e vem até mim, com uma expressão de dúvida.

— Você é bem misterioso, mas ao mesmo tempo simpático. Que estranho. — Solto uma mínima risada depois dele passar por mim e sair pela porta e começarmos a andar pelos corredores. Tarik é um dos pacientes mais novos que já cuidei por aqui - tendo 18 anos. Mesmo eu sendo apenas uns anos mais velho que ele, costumo pegar casos de pessoas bem mais velhas. Basicamente, o mesmo tinha uma mente menos aprimorada - bem menos do que é recomendado para sua idade - e isso com certeza me fez perceber que preciso ser mais cauteloso. Provavelmente sua família não lhe ensinou nem o básico sobre as coisas e terei que fazer um papel bem importante daqui pra frente, sendo bem mais do que um médico. Na verdade, isso é ser um profissional de verdade: É aceitar qualquer desafio, por mais difícil que seja, pois amar a profissão, é se sacrificar por qualquer paciente.

O prédio era imenso e dividido em dois - sendo separado por uma ponte -, por isso, era uma tarefa impossível tentar apresentar tudo para ele. Opto por mostrar onde ficavam áreas básicas do local, para que assim, quando não estivesse presente, ele pudesse andar por aqui sem se perder. Era como se o mesmo nunca tivesse saído para outros locais além de sua casa, pois ele se impressionava com tudo que eu lhe mostrava, mesmo sendo algo bem simples e comum. Suas reações me faziam rir as vezes, mas tentava me manter neutro, não querendo ter sua atenção somente para mim. Acabei não apresentando nenhum paciente ou médico para ele, até porque, acho que ele iria conseguir se socializar bem. Tarik tinha um jeito muito educado e divertido, com certeza, sozinho ele não fica por aqui. Será uma tarefa longa poder reverter sua mente e fazer com que ele me ouça, ao invés do seu transtorno alimentar.

— Por fim, esse é o berçário dos recém-nascidos. Muitos pacientes costumam ficar aqui para se acalmarem, acho que vai ser bom para você também. — Não sabia ao certo se ele estava me ouvindo, já que o mesmo estava quase com o rosto no vidro daquele local. Pelo menos ele gostou. — Agora preciso ir, você confirma para mim se consegue voltar para seu quarto sozinho? — Pergunto um pouco mais sério, sendo uma estratégia perfeita para faze-lo dar atenção a mim.

— Ah, claro... Bom, eu espero. — Ele parecia um pouco incerto, o que me deixa um pouco apreensivo de deixa-lo voltar sozinho. — Não se preocupa, se eu precisar de ajuda, é só perguntar a alguém. O que não falta é gente dentro desse hospital. — Ele sorri, se despedindo com suas mãos e eu faço o mesmo.

Ele não parecia ter medo de mim ou se incomodar com meu jeito. Além de tudo, acho que vamos conseguir se dar muito bem daqui para frente.

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