Capítulo 18

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Embora Kardama fosse um inimigo declarado, nossa relação ainda servia para tornar meus dias um pouco mais leves. Toda a pressão das obrigações sociais de uma rainha pareciam piores quando tentava manter e esconder uma gestação cansativa.

— Você quer ir ao templo comigo? — minha mãe perguntou quando saímos dos aposentos de Malkiur.

Balancei a cabeça para negar antes de nos despedirmos, alegando que precisava descansar. Ela não disse nada, mas sabia que eu não iria sequer em outro momento.

Na verdade, nunca entendi todos os agradecimentos de minha mãe ao Criador. Não era como se nossas vidas fossem fáceis ou como se Ele interferisse muito para nos ajudar. Do contrário, meu pai estaria bem e os argians não estariam criando ressentimento a respeito de um suposto, mas nunca confirmado, bebê mestiço. 

Não... Minha mágoa do Criador não era motivada por qualquer acontecimento recente, embora eles reforçassem meus sentimentos negativos. Eu rompi com Ele anos antes, quando ainda era apenas uma adolescente inconformada com seus sacrifícios obrigatórios. Quando percebi que Ele não dava ouvidos às minhas preces, que nunca me daria liberdade para viver os meus sonhos... Quando entendi que não importava o quanto pedisse, nada mudava o que precisava ser feito, e que eu estava sozinha para lidar com tais cobranças.

O mundo parece menos assustador quando entendemos que estamos por conta própria e que nós, e apenas nós mesmos, somos os responsáveis pelos resultados das nossas ações e obrigações. Eu nasci para servir Aruna e não havia divindade que pudesse mudar o meu destino.

— Tem sorte que a primeira gestação normalmente demora a se tornar nítida, vossa majestade, mas não poderá manter seu filho preso no palácio por toda a vida, para evitar a revolta do seu povo — Dahle disse enquanto me ajudava a provar meu novo vestido. — Já é certo para todos que há um herdeiro a caminho...

— Seus empregados falam muito, Helene — Maite reclamou e trocou um olhar revoltado com a dama de companhia. — E eu odeio o quanto me fazem soar como o resto da nobreza itzan.

Dei uma breve risada ao ouvir. Apesar de não gostar de ouvir as constantes reclamações de Dahle, elas eram necessárias para que eu entendesse o que estava acontecendo na cidadela. 

— Dahle é como um membro da família. Vamos ouvir, é necessário — falei, mesmo que um pouco contrariada. 

— Confirmar a gestação publicamente pode apenas inspirar que a revolta tome forma e se transforme em manifestações agressivas, Helene... Além disso, deixaria claro que está vulnerável aos ataques morroians e do próprio povo — Dahle continuou a falar preocupada.

— Então, o que eu deveria fazer quando se tornar aparente? Desaparecer por meses? — perguntei encarando o espelho enquanto tocava a renda trabalhada do vestido.

— Quando anunciar, deveria explicar que há um meio de defesa para Aruna mesmo enquanto você não puder sê-lo — ela sugeriu, então encarou Maite mais uma vez. — Algum meio que não seja confiar nosso território inteiro a um itzan. 

— Um itzan que é o rei de vocês — lembrei. — O território já está nas mãos dele.

— Não é o que pensam os argians — Dahle explicou. — Essa aliança é recente demais para que nos peça para confiarmos, não completou sequer um ano, majestade...

— Então os argians precisam começar a admitir que não confiam plenamente em meu bom senso e, portanto, não há motivo para confiar que eu os protegeria — dei de ombros.

— Os argians não ficarão satisfeitos se sumir sem dar satisfações, majestade... — Dahle encolheu-se encarando o alfinete em sua mão.

Apesar de saber que eles ficariam ainda mais confusos caso descobrissem que o bebê mestiço era real, também entendia que sumir por meses não era uma possibilidade.

A Coroa de Luz [COMPLETO]Where stories live. Discover now