Capítulo 1

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*ATENÇÃO, O CAPÍTULO CONTÊM CONTEÚDO SENSÍVEL* 

Escutei o toque do meu celular distante, por algum motivo meu cérebro pareceu não processar que aquele barulho estava bem mais próximo de mim do que realmente parecia. O som foi aumentando gradativamente, até que ficou alto demais e me fez abrir os olhos assustada. Eu estava deitada no meio da minha cama, entre cobertas e travesseiros macios, olhei ao redor meio atordoada, com as luzes apagadas o ambiente era iluminado pelas luzes da cidade agitada que ficava diversos andares abaixo de mim.

Tateei o espaço em minha volta, levemente atordoada por causa do sono, dos remédios e por ter sido acordada no susto, alcancei o aparelho que quase me segou com sua claridade. Não olhei quem me ligava, apenas atendi, eu queria acabar com aquela tortura e voltar a dormir, afinal, não consigo fazer isso há quase três dias.

- Alô? - Fiquei incrivelmente chocada em como minha voz soou chapada.

- Aonde você está, Wednesday Addams?

Ouvir a voz da minha mãe entredentes do outro lado da linha fez com que um choque irradiasse do meu cérebro por toda a minha coluna fazendo meu corpo despertar.

- Merda – resmunguei baixinho lembrando do meu compromisso.

- Você ainda está em casa, Wednesday? – Ela parecia bem irritada.

Eu poderia mentir, claro, mas por algum motivo Mortícia Addams sabe de tudo, como se algum fantasma ou entidade sussurrasse em seu ouvido.

- Sim, estou, mas já estou saindo.

- Com essa voz de sono? Você estava dormindo, Wednesday. – Eu não falei?

- Eu tomei um remédio, mãe, precisava dormir, estou virada há quase três dias – corri para o closet e comecei a me livrar das minhas roupas enquanto segurava o celular entre a minha bochecha e o ombro.

- Está, bem, Wednesday – ela respirou fundo e sua voz pareceu mais calma – só venha logo para cá.

- Logo, logo eu chego.

Desliguei a ligação e comecei a passar as peças de roupa presas em cabides, até escolher as que eu julgava apropriadas para a ocasião. Escolhi uma calça de alfaiataria preta, de cintura alta, com quatro botões dourados, dois de cada lado da cintura, coloquei um corpete preto de alça e por cima uma blusa fina preta, folgada, com mangas que iam até meus cotovelos e calcei uma bota, não tão alta, de salto quadrado. Corri para o banheiro e tentei disfarçar a minha cara de sono, pânico e ansiedade com alguma maquiagem, mas acho que no final das contas acabei ficando mais pálida e com cara de defunto. Sinceramente, eu não me importo, eu nem queria estar indo. Minha cabeça está a milhão e além do mais, já faz bons anos que deixei de me importar com o que as pessoas pensam sobre mim. Peguei duas mexas de cabelo, uma de cada lado da cabeça e prendi na parte de trás, arrumei minha franja com as pontas dos dedos, peguei meu sobre tudo preto e caí correndo do meu apartamento.

Talvez hoje seja meu dia de sorte, ou o destino está se empenhando em ser bem irônico comigo. Assim que saí do meu prédio vi um táxi amarelo se aproximar, levantei a mão e gritei.

- TÁXI!

Ele parou imediatamente, abri a porta e passei o endereço para o motorista que logo começou a viagem.

Estamos em Nova York, mais especificamente em Manhattan, a cidade mais louca que eu já conheci. Eu gosto de Manhattan, mesmo com o seu excesso de luzes que muitas vezes incomodam meus olhos e me dão dor de cabeça, mas não se engane, a agitação da cidade não faz com que ela seja acolhedora, e eu gosto muito disso.

Olhei para baixo e o anel de diamante preso em meu dedo anelar me chamou a atenção, virei ele de um lado para o outro e sua presença ali me incomodava profundamente. Estou nesse maldito táxi por causa dele, não do anel especificamente, e sim de quem o colocou ali: Xavier Thorpe, meu noivo. Xavier é pintor, filho de um famoso artista plástico amigo dos meus pais e hoje é sua primeira exposição solo em uma galeria de certo renome. Eu e Xavier nos conhecemos quando estávamos na faculdade, não na mesma faculdade, eu estudava na Universidade Columbia, em Nova York, assim como todos os Addams antes de mim, enquanto Xavier estudava na Universidade de Princeton, em Nova Jersey, assim como todos os Thorpe antes dele, nos conhecemos em um verão, durante uma festa na casa dos meus pais em Hamptons, acabamos ficando amigos, e com o tempo começamos um relacionamento a distância, e isso de certa forma era confortável para mim. Há três meses ele me pediu em casamento em um jantar de ação de graças, onde estava toda a nossa família. Eu queria dizer não, eu deveria ter dito não, mas me senti pressionada com toda aquela gente ali, minha mãe e a Senhora Thorpe com lágrimas nos olhos, ele ajoelhado na minha frente enquanto todos os convidados seguravam taças cheia de champanhe cara.

La Belladonna  (Wenclair)Where stories live. Discover now