As engrenagens começam a rodar

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O Oráculo despertou de mais uma de suas visões. Ter o poder de vislumbrar o futuro é um fardo constante, que precisa ser filtrado e controlado. Nem tudo precisa ser previsto, nem toda escolha é potencialmente relevante. Mas essa era uma visão pela qual o Oráculo ansiava por muito tempo. Agora que a previsão finalmente ocorreu, ele não sabia se estava pronto para lidar com suas consequências.

O Oráculo estava sentado, com os cotovelos apoiados em seus joelhos, massageando as têmporas com os dedos. Sua cabeça não doía, era apenas um ato para tentar espantar os pensamentos ruins. Mesmo com uma aparência exterior confiante, internamente ele tinha sempre medo de não conseguir colocar seu plano em ação. O fato de ninguém saber que ele tinha o poder da premonição também não ajudava.

O futuro não é predeterminado, como muitos pensam. Cada ação, por menor que seja, pode mudar drasticamente os acontecimentos que estão por vir. Por esse motivo o Oráculo sofre com a pressão: só ele é capaz de determinar o que vai acontecer.

O Oráculo se levantou e começou a andar, pensativo. E se ele simplesmente desistisse? E se ele mostrasse para o mundo que ele é o Oráculo? E se ele contar para uma pessoa de confiança? A cada pensamento desses, as consequências de cada ato se materializavam em sua mente. Nenhuma era boa.

O jeito era manter o plano original. O Oráculo suspirou profundamente. As engrenagens começam a rodar.

***

A luz do sol entrava pela janela, junto de uma brisa leve. As cortinas brancas balançavam silenciosamente, fazendo uma dança discreta. Orkan estava deitado em sua cama, sem saber ao certo se estava fingindo ou tentando voltar a dormir. Chegou finalmente o dia pelo qual estava esperando. Ou seria pelo qual temia? Nem ele sabia ao certo. Uma mistura dos dois talvez. A qualquer minuto Aestus chegaria para chamá-lo. Às vezes a empolgação de seu amigo o cansava, mas Aestus era um bom amigo. O único que não o abandonou quando a Classe de Orkan se manifestou.

Orkan se revirou na cama, tentando não pensar nisso. Não é como se ele pudesse fazer algo a respeito. E ele sempre foi um homem independente, que não se importava com a opinião dos outros. Nem de sua família, se é que ele ainda podia chamá-los disto. A realidade é que Orkan, no fundo, não sabia se iria dar conta das mudanças, acabando por comprovar o que todos diziam.

"Você é um inútil."

"Qual a utilidade de um Ladino?"

"Desde quando conseguir roubar é considerado uma habilidade?"

"O que vão falar quando descobrirem sua Classe?"

Orkan ouvia essas frases ecoando em sua mente, praticamente todo dia. E ele temia que não fosse capaz de conseguir provar o contrário. Mas, olhando de fora, ninguém dizia que esses eram seus pensamentos. Orkan era, ao menos externamente, um Ladino típico. Alto, esguio, ágil e muito marrento e debochado. Seus cabelos loiros levemente ondulados, repartidos ao meio, combinavam com seus olhos azuis, quase verdes. Sua rapidez nas ações, no entanto, nem sempre condiziam com seu raciocínio, que poderia ter um pouco mais de agilidade.

A cama estreita da estalagem até que era confortável, permitindo um sono revigorante, porém não o suficiente. Aquele era o único lugar que seu dinheiro permitia pagar, uma vez que havia sido expulso de casa dois anos atrás sem nem um cristal rachado. Mas agora tudo iria mudar. Orkan ia poder largar seu emprego no laticínio pra se dedicar ao seu sonho.

— Ei, preguiçoso! Vamos acordando — Aestus gritou subitamente, ao chegar na janela do quarto.

Orkan deu um pulo na cama, ficando em pé quase que instantaneamente. Ele ainda nem tinha se acostumado com sua agilidade fora do normal, já que nem usava suas habilidades no dia-a-dia. Aestus olhava seu amigo, rindo levemente, mas também impressionado. Ele esperava que Orkan estivesse pronto, mas sabia que não seria o caso. Aestus, pelo contrário, havia se arrumado fazia horas, vestindo sua armadura de couro justa ao corpo e tendo afiado sua espada o melhor que conseguia.

Os Guerreiros do DestinoWhere stories live. Discover now