Clara

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- Não tem fotos pra fazer na rua?- minha mãe falou assim que eu saí do banheiro, assenti- E porque essa demora toda? Aproveita e se arruma direito, faz uma maquiagem melhor das que tu faz sempre, que já tá ultrapassado e agita suas redes sociais- encarava ela enquanto a mesma falava com a vassoura na mão- Escutou Clara?
- Sim senhora- falei indo pro meu quarto
- Olha o deboche - bateu com o cabo de vassoura na minha bunda, doeu, nem falei mais nada e entrei no meu quarto


Todos os meus dias são as mesmas coisas desde sempre. Tudo programado por ela, pra ganhar dinheiro em cima de mim e usufruir de tudo. Eu já deveria estar acostumada, mas parece que o quanto mais eu envelheço mais ela piora com tudo.
Me obriga a fazer coisas que eu nem gosto tanto assim, não pergunta se eu quero fazer aquilo, nunca chegou a me perguntar o que eu quero fazer. Ainda me proíbe de tudo, não tenho amigas, não posso sair de casa a não ser pra lugares que ela manda.


Sentei na minha penteadeira, ia ajeitar o cabelo, mas antes fiquei me encarando, pensando até quando eu vou ter que aturar isso tudo. Puxei uns fios de cabelo, do meio pra não parecer que foi puxado. Tenho essa mania, desde que ela começou a me obrigar a fazer coisas que não quero e sou obrigada a aguentar tudo calada.


Terminei de me arrumar e tirei a foto, atualizei tudo com a mesma. Quem vê de fora pensa até que eu tenho uma vida perfeita. Quem me dera.

@claraporto Oie 😘

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@claraporto Oie 😘

- Na próxima vez faz uma legenda melhor - falou assim que entrei na cozinha - Tua comida - apontou pro prato que tinha alface, arroz, feijão e mais alface
- Não tem frango? - perguntei e me sentei, riu
- Ainda to te dando comida demais - dei uma garfada - Reclama não, se não fica sem comer.


O pior é que ela deixa mesmo. Tem cadeado nos armários, na geladeira e em tudo que possa conter comida. O dinheiro que eu ganho é todo dela, não recebo nem 5%. Não tenho direito nem de falar algo, se não estou errada.


O que ela faz com o dinheiro? Tudo que não seja pra mim... ajeita a casa e tals, não tem suficiente ainda para sairmos do complexo do Alemão porque se tivesse era a primeira coisa que ela faria. Faz os botox dela, compra as coisas que ela quer comer, só usa roupa de marca. Pelo menos ela não faz o mesmo com a Tati, isso me reconforta um pouco.
Acabei de comer e ela deu o dinheiro da passagem contado. Estava escovando meus dentes quando começou o tiroteio. Horário de criança estar indo pra escola, e começa isso. Peguei minha bolsa e sentei no sofá pra esperar acabar.


- Tá fazendo o que? - perguntou
- Esperando - gargalhou
- Para de palhaçada - andou até a porta e abriu a mesma - Pode indo, nunca morreu não vai ser agora
- Mais tá dando muito tiro
- Já foi? - falou grossa, levantei fazendo uma breve oração mentalmente e saí de casa, ela bateu a porta, respirei fundo


Fui descendo a escadaria, tinha uns bandidos, uns subiram esbarrando em mim sem nem se importar e um ficou parado me olhando descer.

- Tá surda Barbie? - perguntou
- Falou comigo? - negou - Desculpa, não escutei
- Tá escutando os tiros não? Quer morrer? - escutamos uma explosão, bomba certeza, começaram a gritar no rádio que estava em sua cintura - Vai me responder?
- Eu preciso sair
- Agora não dá, volta pra casa - falou e foi subindo
- Eu não posso - falei alto pra ele escutar, mas nem deu ouvidos, continuei descendo


Fui andando por uns becos que dão na pista, mas era bem capaz de eu bater de frente tanto com a polícia quanto os bandido. Mas eu fui, sem coragem nenhuma e cheia de medo.
Não encontrei nenhum nem outro, peguei o ônibus que passava e sentei colocando fone de ouvido. Até o centro da cidade demora um pouco, pra distrair fiquei assistindo um episódio de uma série.


Encontrei com o fotógrafo e fomos pro lugar pra fazer as fotos. Ele mesmo trouxe as roupas, me trocava num banheiro de um bar. Foi bem cansativo, muitas trocas de roupas e estava com bastante fome. Assim que acabou, corri pra voltar pra casa, precisava comer e descansar.
Já era de noite, o trânsito estava infernal e por isso demorei pra chegar no morro. Estava tudo aberto, bastante gente na rua. Cheguei em casa depois de passar pelos bandidos que não mexem comigo porque conhecem minha mãe. Bati na porta várias vezes, liguei pra minha mãe que disse que estava na rua com minha irmã e não sabia a hora que voltava, ainda me xingou por eu ter esquecido a chave.


Era tudo o que me faltava, sem dinheiro, com fome e trancada pra fora de casa. Sentei na escadaria, os bandidos que estavam próximos ficavam me olhando toda hora e cochichando. Fiquei mexendo no celular pra passar a hora e ele logo desligou. Minha barriga roncava muito alto, parecia que estava dias sem comer.


- Qual foi Clarinha - Júlio falou - Tá com fome cria?
- Não, tô de boas - menti
- Vai querer meter essa? Estou escutando tua barriga roncando daqui - levantou e veio subindo em minha direção - Tá trancada? - assenti - Vai comprar bagulho pra comer, cheio de coisa aberto lá em baixo
- Daqui a pouco eu vou
- Bora lá, vou comprar pra mim também - neguei - Ih caralho, qual foi da tua?
- Minha mãe já está chegando - menti de novo
- E tu vai ficar esperando ela cheia de fome? - assenti - Bora lá po - encostou no meu braço, puxei o mesmo abraçando meu corpo em seguida
- Deixa a novinha - um homem falou atrás de mim, levei um susto
- Qual foi Rato, mina tá cheia de fome e não quer descer pra comer - me encolhi, morrendo de vergonha - Só to querendo ajudar
- Ela pediu tua ajuda? - negou - Então rala - me olhou negando e desceu, os outros começaram a zoar ele


O homem que falou, desceu sem nem me olhar, parou perto deles e falou alguma coisa e entrou num beco. Hoje é dia de baile, a polícia veio fazer uma cena, mas todos sabem que eles já receberam o arrego e que o baile vai rolar. Minha mãe nunca deixou eu ir.


Estava quase dormindo sentada, despertei ouvindo umas meninas passando conversando. Me olharam com cara de nojo e seguiram o caminho. Não sabia a hora, mas sabia que já tinha passado muito tempo. A vontade de arrombar a porta da minha casa era muita, porém eu iria apanhar depois e não quero isso.


- Tá aqui ainda?- um dos meninos que estava na boca mais cedo perguntou, assenti sem nem olhar pra ele - Cadê tua mãe? - dei de ombros - Gato comeu sua língua?
- Ela saiu e não sabe a hora que volta - encarei ele - Pode me informar as horas?
- Vai dar uma da manhã - falou depois de olhar o relógio em seu pulso, agradeci e ele saiu


Já vi tanta gente subir e descer essa escadaria que nem sei. Poderia ter surtado, aceitado quando o Júlio me chamou pra comer, poderia ter acontecido tantas coisas. Agradeci mentalmente quando vi minha mãe e irmã subindo as escadas, levantei só esperando.


- Nem vem de gracinha - falou assim que abri a boca, fechei a mesma e abaixei a cabeça


Entrei em casa e fui direto tomar banho, meu banho também é regulado, ela desliga o chuveiro quente quando é pra eu sair. Coloquei meu pijama e fui pra cozinha onde ela tomava água.


- O que posso comer? - perguntei
- Aproveita que hoje estou de boas e come o que tu quiser - falou saindo da cozinha - Sem extrapolar


Só fiz dois mistos quente com Nescau, sentei pra comer e ela voltou toda arrumada.


- Cuida da tua irmã, estou saindo - assenti


Acabei de comer, lavei o que sujei e fui atrás da Tati que já estava dormindo em sua cama. Fechei a casa, coloquei meu celular pra carregar e deitei indo dormir.

Foi quando eu te viWhere stories live. Discover now