c a p í t u l o ✿ 5 1

Começar do início
                                    

— Ah, não... quer dizer, é um pouco estranho. Às vezes tem gente que parece que vê eu e o Dani como, sei lá, coisas? Personagem de uma série e não como pessoas. — Bianca contou, apoiando a cabeça no ombro da mais velha. Queria colocar Zoe num pedestal pela ideia de ter trazido uma mantinha para o dia frio de inverno. — Mas eu tento não me apegar muito. Eu tenho várias amigas meio famosinhas online, e todas falam a mesma coisa: evitar ficar acompanhando todos os comentários ou caçando o que falam de você. Porque o pessoal esquece que não tá falando de robôs, mas de outros seres humanos... Às vezes é mais fácil, outras nem tanto. Pelo menos eu comecei a ir na psicóloga essa semana. Talvez ajude.

— Começou?! — perguntou, legitimamente empolgada. — Que bom, pirralha. Como tá sendo?

Bianca bateu as unhas na lata de energético — da primeira vez que esteve ali, ficou com medo que os amigos a achassem patética por preferir não beber álcool ou fumar, mas felizmente todos respeitavam o fato de Bianca não ser muito fã dessas coisas —, relembrando a sessão da semana passada. A irmã mais velha contou que, logo no primeiro dia, despejou todos os problemas para a psicóloga enquanto chorava compulsivamente. Com Bianca, não foi nada parecido: primeiro, ficou triste que a sua psicóloga não era a mesma com quem a irmã consultou, ainda que Antônia fosse bem legal e atenciosa; segundo, que nem isso impediu o clima tenso e meio silencioso que dominou a maior parte da sessão.

Bianca nunca foi boa de falar sobre seus sentimentos (até o momento em que eles estivessem transbordando e ela vomitasse tudo, deixando só um gosto ruim na boca) e apenas conseguiu murmurar resumidamente como aquele ano estava sendo diferente do que imaginava.

— Acho que mais ou menos... não é muito fácil pra mim me abrir, sabe?

— É sua primeira vez? — Zoe perguntou e tomou um gole da sua cerveja. Daniboy, VH, Twister e Nathan estavam andando de skate e apenas ela e Bianca estavam juntas nos bancos de pedra. Bianca assentiu. — Ah, então não esquenta. É normal, nem todo mundo consegue se abrir de primeira. Eu tive muita dificuldade no começo, demorei quase um ano para aceitar que a minha psicóloga não estava me julgando ou coisa assim.

— Ah, você também vai à psicóloga? Eu não sabia.

— Claro. Quando eu tinha 13 anos, um tio passou a mão em mim em uma festa de família. Eu gritei, chamei a minha mãe e ela ficou completamente possessa, queria rasgar a cara dele... e meu pai tentou defender o irmão. Eles acabaram se divorciando depois disso e minha mãe achou melhor me botar na terapia para garantir que não ficaria com nenhum trauma, ou me culparia pelo que houve. Desde então eu nunca parei. — Zoe contava tudo de maneira descontraída, como se estivesse falando sobre um filme que viu na TV. Então percebeu os olhos arregalados de Bianca. — Nossa, desculpa! Eu sei que é meio pesado, mas hoje em dia eu superei tudo. Minha mãe sempre me deu todo o apoio do mundo e o Daniboy também. Foi nessa época que nos aproximamos... — Zoe deu um sorriso, mas depois se deu conta de que estava se desviando do assunto. — Enfim, meu ponto é: ir à psicóloga me ajudou muito e eu não parei mesmo depois de "melhorar". Foi meio difícil no começo, mas faz parte. É uma relação, tá ligado? Se constrói com o tempo.

Bianca a observou de canto de olho, tentando ser discreta. Zoe tinha aquele estilo descontraído e parecia não ligar para nada, mas às vezes, quando falava algo sem pensar que podia soar estranho, perdia a postura de bad bitch tentando se corrigir e não causar qualquer desconforto. Era tão diferente da primeira impressão que Bianca teve dela, quando achava que queria chamar atenção a qualquer custo e não ligava pro sentimento dos outros.

Conversar com ela era muito fácil e nunca se sentia julgada por pedir conselhos. E pensar que aquela amizade quase não existiu porque enxergava tudo como uma competição...

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