Capítulo 2 - Aqui que a verdade termina, e a mentira começa.

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Wednesday Addams: Point of View.

— Namorar com você? — Eu espero que a minha voz não soe tão absurda quanto parece, porque tenho ódio a demonstrar sentimentos. Minhas sobrancelhas, que sobem com o susto da pergunta e até mesmo com o deboche, se deslocam para a posição fechada que sempre tenho. É melhor assim. Sempre foi. Meu modo de defesa, e como os corredores andam falando de ser "antisocial", na minha. Não ligo para o que é dito pelos arredores, por mais que seja verdade. E não me arrependo da minha posição.

— É, Wanda, você não ouviu? -— A garota mais nova, loira, faz questão de mover uma de suas mãos para o interior da sua bolsa, pegando um gloss e aplicando nos lábios enquanto seus quadris encostam na bancada da pia e ao mesmo tempo, se inclina para o espelho. Enid, como sempre, estava focada em si mesma, como uma princesa do gelo, aquela que é intocável, por mais que hoje não pareça tão intocável assim.

O seu rosto tem uma expressão de alarde, ela parece até um pouco mais pálida. Parece que viu um fantasma assim que pisou nesse colégio.

—  Isso é uma pegadinha da sua parte, princesa? — Meus dois passos para a frente são calculados, meu corpo quase grudando ao seu, e mesmo assim, pareço despretensiosa. Como se estivesse naquele lugar sem querer. Mas era notável o quanto Enid ficava preocupada com as minhas brincadeiras, não como se quisesse que eu parasse, mas de alguma forma como se quisesse me testar. Seria isso uma ousadia da parte dela? Uma brincadeira que passaria dos limites?

Por muito tempo, ela não permite que nenhum som saia de sua boca, e então minha mente vai para a imagem de nós duas que se reflete no espelho: sua blusa de manga longa rosa fechando todo o seu tronco e seguindo para uma calça jeans clara, quase tão branca que eu penso no surto que Enid daria se eu sujasse-a apenas um pouco de preto. Ou caso seus cabelos loiros não fossem tão loiros assim. Pensamentos inevitáveis levam-me a pensar o surto que ela daria caso suas jóias douradas se voltassem para o tom prata. É engraçado como ela é o contrário de mim, coberta de preto no momento — e quase sempre — , e ainda insiste em brincar comigo.

—  Eu não estou brincando, por incrível que pareça. Eu vim fazer um acordo. —  Profere, tentando manter a pose que ela não conseguiria esconder de mim. Por curiosidade, observar Enid se tornou um costume, como observar tudo e todos. Mas ela tinha alguma peculiaridade, algum segredo por suas entranhas, que ninguém saberia desvendar. Algo que ela precisava abrir a boca para falar e não permitia que saísse. —  As pessoas associaram meu nome hoje com o de Ajax, jurando que eu tive algum tipo de relação com ele. A mais nojenta possível. —  Ela diz, fazendo uma careta e fingindo um vômito imaginário. Reviro os olhos pela sua reação. — E eu quero apagar isso. Eu preciso.

Suas palavras saem como se isso houvesse se tornado uma necessidade imediata, e eu consigo ver a vergonha passando num vislumbre no seu rosto, mas não chega aos seus olhos. Com a posição prepotente que Sinclair sempre tentou ter, ela levanta os olhos para o teto desinteressante do banheiro, como se analisá-lo agora que estivesse com vergonha fosse a melhor coisa do mundo.

—  O que eu ganharia com isso, Enid? — O seu olhar mais claro se iluminou quando proferi o seu nome, voltando-se a mim como se eu fosse algum tipo de bicho curioso que ela não estava sabendo distinguir, uma espécie não publicada ainda. A curiosidade nesse momento fez um livre habitat em mim, uma vez que eu realmente queria saber a desculpa da loira para um namoro falso. Ela conseguiria sua reputação limpa, mas o que eu conseguiria?

— Você ganha visibilidade. — Antes que eu sequer possa dar de ombros com sua fala, já que ser vista não era importante para mim, ela continua: — Eu sei mesmo que você não quer ser vista, Wednesday. Eu sei. Mas você já pensou o que namorar com uma garota popular te proporcionaria? As melhores saídas, pessoas dispostas a fazer qualquer coisa por você, a te levar a qualquer lugar. E, principalmente, a te contar qualquer coisa. — Mais uma pausa. — Como você é uma fã de descobrir mistérios, acho que gostaria de ter acesso ilimitado há alguns segredos.

[...]

O sol raiou no dia seguinte. Não pata mim, não de forma que alcançasse os black-outs da minha janela e que eu pudesse visualizar os seus raios espalhados pelo meu quarto escuro - isso não seria possível. O sol estava longe, do jeito que eu gostava. Mas eu sentia em minha pele, junto com a atmosfera diferente que namorar Eind Sinclair carregava. Namorar.

Sentimentos não faziam parte dos meus planos da mesma forma que distração não fazia parte dos planos de Sinclair. Por tudo que ela veio tagarelando no caminho de volta para a casa, dava para entender, ao menos no mínimo, porque ela não desejava que essa fofoca se tornasse grande coisa: uma grande fofoca em Evermore se espalharia pela cidade. Ela ficaria conhecida como alguém que fez uma coisa para outro alguém, esta coisa em específico sendo um envolvimento sexual. Como se não pudesse ser pior do que parecesse, ressaltou que Ajax era o fomentador da fofoca. Decepcionante para ele, mas era sempre a menina que saia perdendo. Isso já havia acontecido algumas vezes, não é novidade que ele seja um conquistador, mesmo que se aproxime ao terror pensar nele dessa forma específica. Mas os rumores com o seu nome e sexo na mesma frase não eram nenhuma novidade.

Número desconhecido: Eu te pego que horas?

A primeira coisa que ouço hoje é o barulho do meu celular tremendo contra a madeira da minha mesa de cabeceira de cama, acendendo a tela automaticamente e exibindo a mensagem de um número desconhecido.
Meu cenho franze, querendo ignorar e virar para o outro lado da cama e me entregar mais ao sono. Ninguém estaria acordado sete em ponto, não havia nem classes nesse horário.

Número desconhecido: Sua namorada aqui, acabei esquecendo de mencionar.

E mais uma vez, o barulho do celular me desperta de um sono que eu já estive querendo me entregar. Pela primeira vez ao dia e, com toda certeza, não última delas, reviro meus olhos.

Era uma maldita semana para arranjar uma namorada. Maldito mês. Maldito ano. Por mais que fosse falsa, Enid dava impressão de ser uma garota necessitada de atenção. Não que ela não fosse o suficiente para si mesma, mas era uma grande visualização de que se ela se envolvesse com alguém, essa pessoa deveria estar caindo aos seus pés. Era tedioso sentar próximo e ouvi-la dizer repetir esse mantra para as amigas, justificando o motivo da ausência de um namoro e só alguns pegas aqui, pegas ali. Eu, como a atriz coadjuvante escolhida para o papel de sua namorada, deveria desempenhar carinho, amor, zelo e atenção. Mais uma escolha errada para Enid. Como se eu fosse capaz.

Aceitar essa oferta havia apenas sido por uma vantagem social. Me encaixar não era o foco e nunca tinha sido, mas seria delicioso saber o segredo de cada um daquela escola, poder fazer uma bagunça em suas mentes. Talvez fosse divertido trabalhar como a vilã do show, colocando alguns contra os outros.

Rapidamente, me lembrando do motivo da minha aceitação genuína para esse mesmo papel, minhas mãos tateiam a madeira até acharem um pedaço longo e liso, fácil de deslizar as mãos. Com o meu celular na frente do meu rosto, me esforço para digitar:

Wednesday: O que meu docinho de trevas quer, hm?

Enid: disse que não pode me chamar assim. Que tal tentar apelidos mais carinhosos? Como "minha flor do campo", "girassol que plantei"? Esses são melhores.

Wednesday: Não é o meu jeito tradicional, trevinha. Se acostume. E pode vir me buscar ás nove.

Mentiras de momento (Wenclair)Where stories live. Discover now