|principium|

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Era eletrizante.
A sensação de matar.
O desligamento quase instantâneo do corpo com a alma.
O alívio após retirar mais um verme do mundo, era como conhecer o céu sabendo que nunca iria tocá-lo.

Então depois vinha o vazio, esse que eu não sentia mais à muito tempo, quando chegava em casa e encontrava Helen, a frustração, o receio e o asco vinha instantaneamente.

Eu era um monstro.
Devia ser melhor para ela.
E eu fui.

Até o dia em que jogaram terra em seu caixão, seu lindo rosto desfocado e ausente de vida e cor, tão diferente de como ela costumava ser...

Deposito um beijo em sua foto sobre a cabeceira e levanto, desço para a cozinha e ligo a cafeteira.

Permaneço imóvel, olhando para o pátio bem organizado, o gramado aparado e o piso impecavelmente limpo, até que meus olhos passam para a casa do outro lado do campo.

O espaço que nós separa não seria o suficiente.
Reconheceria aquele rosto em qualquer lugar.

Continuo parado, olhando pela janela, ou melhor, olhando para ela.
Não, não pode ser ela.

Mas uma imagem cruel e imaginaria formada pelo meu cérebro fodido.

Ela morreu faz três meses.

Três. Fodidos. Meses. John!

Tentando colocar a cabeça no lugar, escuto a cafeteira apitar, então sirvo uma xícara, ainda observando.

A estranha mulher, coloca alguns sacos pretos dentro do porta malas, então ela prende os longos cabelos negros em um rabo de cavalo baixo, olhando para os lados, como se percebesse o meu olhar, ela fixa os olhos brilhantes e confusos em mim.

Então ela sorri.

Meu copo quebra em minhas mãos, o conteúdo quente não fazendo nada além de me provar que aquilo não é um sonho.

Ela liga o carro e vai para algum lugar.
Estou perdido demais para notar qualquer coisa que não seja a imagem daquele sorriso.

As covinhas, a pinta no lábio superior, cabelos macios, as mãos quentes...

- Porra! Porra! Porra!!! - grito, puxando meus cabelos.

Começo andar pela casa, subo as escadas rapidamente, pegando meu celular, ligo para o primeiro número que me vem a mente.

- Winston, quem é ela. Não é uma pergunta, escuto uma tosse do outro lado da linha, então um copo batendo sobre algo.

- É bom falar com você também, John, mas... ela, quem? - ele responde a minha pergunta com uma pergunta.

- Eu tenho uma vizinha que parece a minha mulher morta, quero que descubra quem ela é.

Continuo puxando meus cabelos, tamanha aflição toma conta de meu peito.

- Não faço idéia do que você- ele começa.

- É importante para mim Wins, é como reviver cada lembrança olhando para ela assim, preciso saber quem ela é, o que faz, como chegou aqui, especificamente. Não acredito em coincidências.

Faz-se um silêncio do outro lado, respirações curtas e erradicas. Uma pausa.

- Dê-me dez minutos, John, enviarei uma cópia sobre ela. Com um suspiro, desligo o telefone.

Caio sobre a cama, torturando minha alma, fortificando o apodrecimento prematuro de meus ossos e cavando minha própria sepultura, espero a noite cair, não notando a notificação de Winston, prefiro verificar pessoalmente.

O mais novo motivo da minha dor.

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⏰ Last updated: Mar 31, 2023 ⏰

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