O (re)encontro

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Do outro lado da mesa, o queridinho do país percorre meu rosto com os olhos. Eu poderia achar fofa a curiosidade que lhe desenha tão evidentemente a cara, caso não estivesse apavorada. Relutei por duas semanas para ceder a este encontro, e só o fiz porque Luigi ameaçou informar meu endereço ao rapaz à minha frente.

Amigo da onça!

Agora não sei o que dizer, porque já o cumprimentei e pedimos por uma refeição cara, num restaurante tão caro quanto, e as pessoas parecem mais interessadas em nós do que nos pratos em suas mesas.

Solto o ar com força e comento:

— Espero que a comida seja boa.

— Acredite, é maravilhosa!

— Pelo preço, tem que ser mesmo.

— Não tem que se preocupar. Eu vou pagar.

— Posso pagar pela minha própria comida — minto, pois ultimamente não tenho onde cair morta.

— Certo. Mas eu insisto.

Reviro os olhos e logo em seguida, facilmente cedendo, afirmo:

— Maravilha! Então de sobremesa quero o brownie de chocolate suiço e o mousse de morango.

— O que quiser, Amélia.

Prendo a respiração pela forma como meu nome soa doce em seus lábios. Desta vez quem tira um longo momento para apenas encarar sou eu. Atento-me a cada detalhe do rosto dele, a pele leitosa, o nariz arrebitado, os olhos na cor de jabuticaba e o cabelo castanho escuro bem penteado. Não há um fio sequer fora do lugar. Aliás, nada nele está desalinhado, o que difere tanto de mim, porque tenho o uniforme amarrotado e o cabelo cheio de frizz após uma noite mal dormida no tapete da sala, horas de expediente e uma longa caminhada para chegar até aqui.

O rapaz limpa a garganta, me despertando de meu devaneio.

— Me fale sobre você.

— Ah, não quero te fazer chorar tão cedo. — Ele me olha curioso. De fato, são belos olhos. Faz jus ao buzz que gira em torno de sua imagem. Ele como um todo, digo. — Vinte e um anos, garçonete num bar de terça à domingo e não tenho um tostão furado para planejar nada além de sobreviver um mês após o outro. Prazer.

— O prazer é todo meu — devolve sincero, e sou obrigada a rir brevemente.

— Imagino que sim. Sou uma graça aos olhos.

— Ainda bem que sabe.

— Estava brincando.

— Eu não.

O cara mal me conhece e já está me tratando como otária, penso. Mas sou poupada de dizer qualquer coisa, porque nossa comida logo chega, tão rapidamente que não preciso de mais do que alguns segundos para entender que o motivo é ele.

— Ah, os privilégios — sussurro, logo cortando um farto pedaço do contra-filé em meu prato e o levando à boca. Tenho vontade de gemer baixinho graças a satisfação de comer carne vermelha após longos meses, porém me controlo. O que é exceção para mim, deve ser rotina para ele, que com certeza não tem sido atingido pela crise econômica que acertou o país nos últimos anos.

— Gostoso, não?

Apenas assinto, comendo mais, e ele sorri de uma forma que me desconcerta, porque Jonas Linz sorri com os olhos e, pelo visto, isso não é algo que se restringe aos outdoors espalhados por aí. Entretanto me sinto incomodada porque percebo que se sente satisfeito por estar fazendo sua ação nobre do dia. Vindo de uma família de políticos, não duvido! Qualquer migalha que um rico joga a um pobre é o suficiente para se comemorar com um banquete, como se o rico tivesse feito muito. E a coitada da vez sou eu. Permito-me rir.

— Do que está rindo? — ele pergunta no mesmo instante, e termino de engolir o purê com aspargos antes de afirmar:

— Você não gostaria de saber.

— Tente.

Olho-o fundo nos olhos antes de perguntar:

— O que quer com isso?

— Como assim?

— O que pretende aqui?

— Ora, que pergunta! Quero te conhecer melhor. É a minha alma gêmea!

— Bobagem. Você pode se livrar dessa merda num estalar de dedos.

Pela primeira vez na noite ele hesita, e enxergo em suas íris o desconcerto. Parece ponderar bem as palavras antes de perguntar calmamente:

— O que disse?

— Somos de mundos diferentes, vossa alteza, não sei o que pensa que está fazendo aqui, mas te garanto que não tá colando.

— O que estou tentando fazer, Amélia? — ele franze o cenho. — E por favor, não me chame assim. Não sou da realeza.

— Desculpe, vossa alteza — provoco, porque não posso perder a oportunidade. Ele e toda a família são tratados assim. Logo, seu pedido é no mínimo irônico. Como mais um pouco antes de observar: — Não sei se ficou claro ainda, mas eu mesma posso te esclarecer: somos incompatíveis.

— Você sequer me conhece!

— Conheço o bastante. Não somos compatíveis. Vamos só desfazer a marca, conheço-

— Quê?! O que acaba de propor?

Enxergando a ira em seus olhos, respondo:

— Pela forma como está me encarando, você me escutou muito bem.

— Sim. Estou te dando a chance de se desculpar.

Rio alto.

— Pois espere sentado. No fundo sabe que tenho razão, está me vendo tem uma hora, já deve ter percebido que o universo está tirando uma com a nossa cara.

— O universo nunca erra.

Neste momento gargalho e ele é pego de surpresa. Como se engana! A prova viva do contrário está na frente dele, mas não lhe dou o gostinho de descobrir tão facilmente, apenas ergo o rosto e espero pelo que tem a dizer.

— Acredito na marca, Amélia, acredito de verdade. Não sei o motivo de estar tão relutante a ela, mas esperei a vida toda pela minha alma gêmea, e te garanto que vou te tratar bem — afirma, sério. — Só me deixa conhecer você.

Agora quem é pega de surpresa sou eu. Ele não está me pedindo, mas sim suplicando. Vejo em seus olhos o clamor e soa sincero. Engulo em seco, hesitando por alguns segundos. O que ele ganha com isso?

Ah, quer saber? Que se dane! Aposto que não precisará de mais do que alguns dias para se arrepender do que está me pedindo, e desfazer nosso elo. Por isso, depois de respirar fundo, digo:

— Tá bom.

Jonas outra vez sorri com o rosto todo. Droga, ele é mesmo bonito!

— Garanto que não vai se arrepender.

Não mesmo. Quem vai se arrepender é você. Penso em dizer, mas não faço nada além de dar de ombros, e estou prestes a voltar a comer, quando sua mão alcança a minha sobre a mesa. O contato me causa arrepios, como da última vez, porém não trago à tona nosso primeiro encontro. Apenas me afasto do toque e, ignorando seus olhos sobre mim, deixo minha atenção permanecer na comida à minha frente. 

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(suspiros)

Predestinados (DEGUSTAÇÃO)Opowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz