— Como você... Por que você... Por que nunca me disse? — Ele quase bravejou, nervoso.

— E eu sou doida? Pra ele me seguir também? Tenho amor pela minha vida! Eu ein?!

— E como ele era? — Jonas quase gaguejou, sendo dominado por uma repentina curiosidade inata de seu tipo.

Como se o destino quisesse responder por si próprio, dona Odete viu, do outro lado da rua, o tal sujeito careca de terno e boina. A mesma coisa de sempre, o cara pálida, de roupa escura, encarando o nada — só que o nada, dessa vez, era o próprio Jonas sentado bem do seu lado na mesa do bar.

A velha suspirou, tomou um gole de sua cerveja, tirou um maço de cigarro amassado de sua sacola de pano e também o isqueiro rosa. Ela botou o cigarro na boca com tamanha paciência, que faria inveja em um monge, e isso quase irritou Jonas. Então Odete deu um trago no seu cigarro [lenta e calmamente].

— Eu achei que tinha parado, dona Odete! — Matias, um outro bêbado noutra mesa fez questão de interromper sua cantoria para gritar o julgamento rumo à velha.

— Vai cuidar da sua vida, cara de jumento! Voltei agora! — Dona Odete retrucou bum tom grave e rouco, apontando um dedo pro bêbado. Depois de uma segunda tragada, então, virou-se pra Jonas: — Quer saber como ele era? Olha ali...

Jonas virou seu olhar na direção que dona Odete apontou o seu narigão, e o jornalista sentiu um tremor em sua espinha ao ver, do outro lado da rua, o seu recém-descoberto perseguidor misterioso.

Se depois alguém perguntasse a Jonas o porquê de ele ter feito o que fez, ele não saberia responder, nem se refletisse muito sobre. Num rompante, o jornalista se levantou da cadeira, apontando o indicador para o homem pálido e gritando quase que guturalmente um "ei, você!"; isso atraiu o olhar de todo mundo primeiro para Jonas, depois do estranho homem de preto, e depois de volta para Jonas. O homem, então, sem também refletir do porquê fazer isso, começou a correr em direção ao seu misterioso perseguidor.

Dona Odete se surpreendeu com o ato do homem, quase que esquecendo de sua embriaguez. O sangue que subiu pelo seu pescoço era quase febril, e uma sensação estranhamente boa preencheu toda a área da barriga rechonchuda da velha. Movida por sua curiosidade, e também por essa incomum adrenalina que lhe preenchia agora todo o seu tronco, dona Odete se levantou também, e correu atrás de Jonas, que corria atrás do homem de preto.

— Anota na caderneta, Valdir! — Ela gritou já pulando o meio-fio, enquanto esforçava-se em correr sem tropeçar.

Correram por um bom tempo pelas ruas de Bonito. O homem misterioso era rápido, Jonas determinado, e dona Odete, muito curiosa. Mesmo determinado, Jonas não tinha muito fôlego, e não foi capaz de manter um bom ritmo em sua perseguição frenética. Ele quase perdeu de vista o homem de preto por umas duas vezes, e quase quis desistir de continuar, mas algo dentro dele gritava desesperadamente para que ele continuasse. Mesmo sentindo que poderia morrer de exaustão a qualquer segundo, Jonas continuou.

Odete, por sua vez, tinha as limitações pela sua idade. Fora isso, a velha corria num ritmo constante, balançando os quadris em movimentos meio desajeitados de uma senhorinha já levemente corcunda. Ela chegou a perder Jonas de vista por algumas vezes, mas o jornalista gritando, sem parar "ei, você! Parado aí! Ei!" fazia a velha reencontrar seu rumo, e continuar seguindo o homem.

Chegaram num terreno baldio, na frente, tudo o que viam era um enorme muro de tijolos de concreto, mato, e um homem de preto encurralado.

Jonas sorriu, dando-se previamente o sabor da vitória, e já contando com o ovo na galinha, já refletia nas dezenas de perguntas que tinha que fazer ao misterioso. Dona Odete, logo atrás, também sorria, mas ela por motivos muito menos nobres [por algum motivo bem doido, a velha já imaginava-se assistindo os dois homens brigando no meio do matagal escuro, e isso lhe era uma ideia bastante divertida].

P.P.P. - Projeto: Pode piorar?Onde histórias criam vida. Descubra agora