Ermy recuou contrariado, mas respirou fundo para controlar suas próprias palavras. Afinal, não poderia desacatar ao rei do que seria o império senko-aruniense.

— Não foi minha intenção ofendê-lo, majestade.

Mas Kardama o ignorou da forma mais fria que poderia.

— Precisamos das flores Yrtas que trouxemos. Vamos macerar e usar para esconder nossos cheiros. Assim os orcs não vão nos encontrar — Kardama encarou seus soldados, que balançaram a cabeça para mostrar que entenderam e foram até as carruagens para buscar um dos baús.

Eles faziam aquele trajeto com certa frequência, por isso estavam acostumados com os procedimentos a serem feitos para evitar orcs, se camuflando como poderiam.

— Então, nada de sons altos, movimentação intensa ou luz mágica, entenderam? — Kardama orientou, encarando Ermy com raiva mais uma vez.

Todos os soldados confirmaram com a cabeça, então começaram os preparativos para a noite em silêncio.

Eu não costumava conversar em acampamentos, mas apenas o fato de não poder me fazia ter ansiedade por falar sobre qualquer assunto.

— Se não sente ciúme de Ermy, por que continua a tratá-lo com tanto desprezo mesmo após ter sido eliminado da lista de suspeitos? — Cruzei os braços ao perguntar sussurrando quando ficamos sozinhos na tenda para dormir.

— Em primeiro lugar, eu não gosto daquele guarda. Isso não depende de ele ser suspeito ou não. — Kardama fez uma pausa para verificar se tinha minha atenção. — Depois, eu nunca disse que ele não era mais suspeito.

Franzi o cenho.

— Mas ele tem um álibi.

— Talvez ele tenha feito um álibi propositalmente, o que é diferente de ter um. Ninguém garante que temos apenas um traidor. Ermy pode ter recebido ajuda. Talvez até mesmo a condessa esteja envolvida nessa história.

Refleti por alguns segundos e concluí que, apesar de eu não acreditar que Ermy faria algo contra meu pai, a linha de raciocínio do rei sombrio fazia sentido.

— Mantenha-me informada sobre suas investigações.

— É claro, princesa.

Ficamos em silêncio no escuro por alguns segundos e eu já estava preparada para fechar meus olhos e dormir quando o rei mudou o assunto daquela conversa.

— Você já pensou sobre o herdeiro, princesa?

Franzi o cenho mais uma vez.

— Estava realmente solicitando um filho? — perguntei confusa.

— Você fez um acordo, princesa.

Encolhi meus ombros.

— Acha que esse é o momento certo? Sofremos ataques dos morroians, estamos à beira de uma guerra e a caminho de cumprir uma profecia. Eu não acho que...

— Você acha que algo vai mudar quando essa profecia se cumprir? Sempre teremos guerras. Os conflitos fazem parte do mundo corrompido em que vivemos — Kardama falou enquanto refletia a respeito. — Se todos os reis fossem esperar por alguma era de paz, nós não estaríamos aqui hoje.

Ele estava certo, mesmo assim...

— Eu não me sinto pronta para ter outra grande responsabilidade, além do meu povo. Eu quero estar disposta a morrer por Aruna e se tiver um filho, vou ter medo disso...

O rei sombrio recuou e tentou se recompor rapidamente do desânimo em seu olhar, mas eu o vi.

— Eu sei que para você filhos são apenas indivíduos que colocamos no mundo para herdarem nossas coroas, mas...

— Não tente supor o que filhos significam para mim — Kardama interrompeu minha frase com certa irritação, então deu de ombros e emendou. — Se mantiver esse pensamento, nunca estará pronta para ser mãe, sequer para viver sua própria vida, Helene.

Encolhi meus ombros, porque também concordava com aquela afirmação. Mesmo assim, eu já sabia que não existia para "viver minha própria vida" e sim para arcar com uma responsabilidade maior do que meus próprios desejos. Até aquele momento, o príncipe sombrio era minha escolha mais pessoal e ousada, mas não pareciam haver mais oportunidades para que eu fosse egoísta.

— E se morrermos? Quer deixar uma criança órfã, sozinha no mundo e com uma responsabilidade que não deveria lhe caber tão jovem? — perguntei e o rei riu.

— Não vamos morrer ou falhar, Helene.

— Todos morrem em algum momento...

— Por isso o ideal seria conseguirmos um filho quando ainda somos jovens.

Ficamos em silêncio por alguns segundos. Kardama estava chateado comigo e eu, insegura sobre aquela ideia arriscada.

— Não fique chateado comigo — pedi enquanto encarava a armação da tenda.

— Como eu poderia, princesa? — ele sorriu. — É claro que seu altruísmo pode ser irritante, mas em algum momento sei que teremos um filho. Afinal, você precisa cumprir sua parte no acordo que fizemos.

Sorri também. Parece que ele estava um passo à frente naquele assunto.

— Dê-me dez anos — pedi.

— Cinco — o rei estreitou os olhos para negociar.

— Sete.

Ele torceu os lábios insatisfeito, mas estendeu a mão para fazermos um acordo. Antes que eu a segurasse, afastou para colocar outra condição.

— Sete anos e vamos ter um filho, não é para que você pense a respeito daqui a sete anos.

— Tudo bem — concordei e o itzan finalmente apertou minha mão.

Todos os filhos dos magos de luz e sombra eram planejados. Após a extinção dos humanos puros, as gerações mágicas foram tornando-se cada vez mais inférteis, até que bebês acidentais tornaram-se uma raridade e futuramente, deixariam de existir por completo.

Por isso, a população dos descentes de humanos era cada vez mais reduzida e todos concordavam que isso era uma contagem regressiva natural para o fim da espécie, que também estava descrito em uma profecia. Uma forma de o Criador nos avisar que nosso tempo estava acabando.

Para conseguirmos propagar a espécie, era preciso que um casal começasse um tratamento com o extrato das raras ervas aquáticas de Gaffie, que atualmente só existiam nas plantações dos alquimistas. Assim, meses ou anos inteiros eram necessário antes do sucesso.

Sete anos. Esse foi o tempo que recebi para preparar minha mente para mais uma grande responsabilidade.

A Coroa de Luz [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora