O Homem de Bem

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Por @GlaucoLessa


Muitos falam do homem de bem, mas nunca realmente o viram ou lhe falaram. O homem de bem já morreu há tempos, e qualquer um que diga sê-lo mente. Aconteceu em uma noite de dia útil, na volta de seu emprego honesto de oito horas bem trabalhadas.


Era um sinal, talvez profético da tragédia que se anunciava, mas também daquele de três cores; vermelho, verde e amarelo. Não havia carros, nem pessoas. Havia apenas o sinal e o homem de bem que nunca tirara vantagem de ninguém, desde a mais descarada traição ao troco errado na compra do pão.


A luz verde então piscou para os carros que não haviam, concedendo-os passagem. O homem olhou em volta e para o vazio da pista. Podia atravessar, mas não devia, e por isso resolveu esperar até que o semáforo lhe permitisse.


Foi quando surgiu seu algoz, espreitando-se de uma viela próxima. Diferente do homem, não conheceu a própria mãe. Nunca mais foi à escola por estar muito ocupado cheirando cola debaixo de sinais como aquele, fugindo da vida e da miséria. Aprendeu tudo pelo método eficaz do espancamento, e por causa disso violência era a única língua em que conseguia se comunicar. Tinha nove anos.


A criança mandou passar tudo, e o homem reagiu, afinal, aquilo não era correto. Mas a criança tinha uma faca, e ela fez com o coração do homem o mesmo que haviam feito ao do menino: dilacerou-o em pedaços.


Pilhou o bom cidadão, levando dele tudo. A luz só permitiu travessia para os pedestres segundos depois de o assassino atravessar a pista vazia. O homem encarou a luz acesa, e agonizou debaixo do vermelho que ela emanava em meio ao vermelho do próprio sangue.


Até pra morrer, o homem de bem morreu direito. Não morreu na contra-mão atrapalhando o tráfego, mas na calçada, onde não oferecia risco aos motoristas que por ali não passavam.


Ninguém sentiu falta. Que pena.

EscritonautasWhere stories live. Discover now