Capítulo 34 - Troca (Miguel)

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— Miguel?! — Tainara olhava para as próprias mãos, abrindo e fechando os dedos, maravilhada. — Está vendo?! Eu estou conseguindo me mover sozinha!! Sozinhaaa!!

— É. Estou vendo, sim — respondi, também revirando os olhos após passar vergonha com sua bela performance de louca de hospício.

—Ei! Não revira os olhos pra mim não! — reclamou ela. — Mas peraí...? — exclamou em seguida. — Você ainda pode falar em voz alta e revirar os olhos, mesmo estando eu no comando?

Antes que alguém pudesse responder, a porta se abriu de uma maneira abrupta e dona Suzana entrou. — Meu Deus, que gritaria foi essa? — perguntou ela, aflita, segurando Tai pelos ombros. — O que aconteceu, filha?

—Nada não, mãe — respondeu a nova dona do corpo, experimentando o privilégio de conversar com a sua genitora diretamente. — Mas eu estou falando com a senhora! — E a abraçou, emocionada.

Mas, infelizmente, sua reação emotiva não ajudou muito a provar que estava bem.

Após o forte abraço, dona Suzana a encarou com uma expressão esquisita, a meio caminho entre um riso e um choro. — O que que está acontecendo, filha? Você está ficando doida?

— Está tudo bem, mãe.

— Não! Não está! — discordou a mulher, preocupada. — Primeiro você ficou com amnésia, agora fica pulando e gritando que consegue se mexer e consegue falar! Não estou entendendo!

'Fala que estava ensaiando para uma peça de teatro da escola.' — sugeri. — 'E que estava mostrando para a Cenna.'

"Boa, Miguel!" — agradeceu ela, usando minha sugestão:

— Eu estava apenas ensaiando para uma peça de teatro da escola, mãe. E estava mostrando para a Cenna. — E ainda complementou: — Mas se eu consegui te enganar, então sou uma boa atriz, não?

Dona Suzana fez uma cara de alivio que soou cômica. — Nossa, que susto, filha! Mas você foi ótima! Me enganou mesmo! Eu podia jurar que você tinha ficado louca!

'E não está errada' — alfinetei.

"Miguel!!"

Naquele momento, não resisti e caí na gargalhada dentro da cabeça de Tai, agora que nossos papéis haviam se invertido.

— Mas você chamou ela de Cenna? — questionou dona Suzana, sem entender. — O nome dela não é Elisa?

— Sim, é Elisa — respondeu Tai — Mas na peça eu contraceno com uma personagem chamada Cenna. E eu estava fingindo que ela era a Cenna — complementou, apontando para a menina. — Nossa, mãe! Quando eu entro num personagem eu me transformo! Sou muito intensa!

— Tô impressionada, filha! — exclamou nossa mãe. — Você se entrega mesmo! Acho que encontrou sua vocação. Vai ser atriz! — E deu mais um abraço na filha. — Agora vou voltar lá para a cozinha. Qualquer coisa, podem me chamar.

— Obrigada, dona Suzana — agradeceu Cenna, com aquela sua performance de menina fofa tão convincente.

Sorrindo ao ouvir a criança, a mulher deixou o quarto.

— Parabéns, Tainara. Você pensou bem rápido — disse a pequena doutora assim que a mulher saiu, elogiando nossa agilidade em criar uma boa desculpa para o pequeno surto de minha hospedeira.

— Obrigada — agradeceu Tai

'Mas a ideia foi minha' — não perdi a chance de alfinetar.

"Cala a boca."

— E, sim, Tainara. Respondendo sua pergunta anterior, ele pode partilhar a condição de fala e controlar as expressões faciais, mesmo quando você estiver no comando — explicou Cenna, tão logo ficamos a sós de novo. —Porque a dominância primária ainda é dele — complementou. — E isso não muda. Henry sempre estará no comando. Ele apenas permite que você também tenha esse domínio básico durante um curto período de tempo.

— Mas isso não faz sentido! — reclamou Tai. — Se o corpo é originalmente meu e ele só invadiu, eu é quem deveria estar no comando! Não ele! Uma consciência viajante não pode ter prioridade sobre a consciência original! Isso é absurdo!

— Eu não faço as regras, Tainara. Elas apenas são assim.

— Mas estas regras estão muito erradas!

— OK, temos coisas mais importantes para discutir agora — cortei Tai, roubando a boca dela mais uma vez. — Eu ainda tenho muitas perguntas para Cenna.

— Responderei o que eu puder — a menina se colocou à disposição.

— Você me chamou de Henry. Então, esse é o meu nome real?

— Sim. Seu nome é Henry. 

'Viu só, Tai? Meu nome era Henry mesmo!'

"Convencido...!" — Em seguida, porém, num tom mais contido, ela afirmou em voz alta: — Mas para mim você será sempre o Miguel.

Miguel...

Eu também gostava daquele nome que recebi.

Mas não dava pra negar que Henry era mais estiloso.

— Espere um pouco...! — exclamei, me lembrando de algo que eu já havia dito a alguns dias. Algo que havia soado como piada, mas que talvez, não tivesse sido uma besteira tão grande quanto todos pensaram na hora. — O cantor Harry Styles já foi eleito presidente dos Estados Unidos alguma vez?

— Sim — respondeu Cenna prontamente. — Em 2040. E foi reeleito em 2044. Aliás, estávamos sob o governo dele quando viajamos. Mas por que perguntou isso?

— É que essa informação estava na minha cabeça de um modo bem vago. Agora eu sei o motivo.

Consciência Viajante 2Where stories live. Discover now