Contemplação 2

5 0 0
                                    

À medida que avançava na estrada, curva após curva, a neblina adensava-se e aos poucos ia antecipando a desilusão. Era inverno, e era o mar de inverno que ansiava ver, revolto, bravo. Queria sentir aquela brisa tão forte, que faz o cabelo emaranhar-se no cachecol que trazia ao pescoço, queria sentir a brisa tão forte que faz semi-cerrar os olhos para os manter a abertos, a mesma brisa forte que iria trazer até mim a maresia, água salgada no meu paladar. E desejava secretamente que alguma da sua força motriz passasse para mim, para poder avançar.

Será que a praia luminosa e o mar bravo que idealizava encontrar iriam ficam apenas na minha mente? Sim, iria apenas permanecer o desejo, porque o sol que minutos antes invadia a casa onde habito e que me encorajou a mover, ficou por lá e pelo caminho apenas encontrava névoa. Uma névoa que ganhava forma, permanente.

O nevoeiro tornava-se tão denso que só me permitia ver a curta distância e quando cheguei ao pequeno estacionamento à beira mar, foi como entrar num sonho estranho. Saí do carro ansiosa por sentir aquele vento de sabor a mar. Mas não era um bom dia... nem vento havia. De algum modo, além da grande nuvem branca em que me encontrava, aquele barulho continuo das ondas a rebentarem nas rochas estava ausente. Por vezes via-se alguma espuma das ondas, ou seria mais neblina densa? Branco e mais branco, em todas as direções. Os lugares de estacionamento estavam quase todos ocupados, por casais na maioria. Pessoas que não são velhas, mas estão velhas. Dentro dos carros, umas dormem de boca aberta, enquanto os acompanhantes olham em frente, em direcção ao mar, que hoje não dá para ver. Uma sopa de letras jaz num colo duma mulher. Um jornal desportivo é abandonado num tablier. Há um rapaz, este bastante jovem, sozinho fechado dentro de um carro de alta cilindrada. Ouve música tão alto que fica distorcida e cuja vibração se sente cá fora. Havia uma nuvem de fumo denso dentro da viatura, e o cheiro a erva escapa-se pela pequena frecha da janela. Penso que algo de errado se passa com aquela vida, por todos os motivos. Deve estar num dia mau, concluo. Mas quem sou eu para julgar? Contudo, outras vidas me parecem melhores: um casal que passeia um cão que insiste em saltar a cada segundo, ou 4 amigos numa auto-caravana de matrícula estrangeira, que jogam às cartas enquanto bebem um copo de vinho. Os carros continuam a chegar a um estacionamento que fica cheio de pessoas que querem ver o mar, mas ele hoje não está... E com a rebentação forte inaudível, em vez de salgado, parece doce.   

Вы достигли последнюю опубликованную часть.

⏰ Недавно обновлено: Sep 09, 2022 ⏰

Добавте эту историю в библиотеку и получите уведомление, когда следующия часть будет доступна!

Memória CurtaМесто, где живут истории. Откройте их для себя