Contemplação 1

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Não havia quase ninguém na praia e o sol fraco de setembro descia mais cedo. Apenas alguns raios insistiam em passar entre o pedra do Guilhim e o gigante promontório. Era o suficiente para mais um entardecer perfeito. O último.

Sentada na areia, abraço os meus joelhos que pertencem a um corpo frágil, a espigar. E assim fico de queixo apoiado a olhar para o mar, a sentir a cara e os ombros molhados. O meu cabelo já tinha desistido de secar.

No que já se tornara em penumbra, reconheço dois vultos que subiam e desciam numa ondulação em bradicardia. A Ana e o Roger estavam ambos fascinados. Não no sentido amoroso, que na altura nem sabíamos o que isso era, mas por se compreenderem, por serem os dois almas livres, como se fossem feitos da mesma matéria. A toda a hora soltavam gargalhadas inebriantes, deixando a pairar algum ciúme a quem estava por perto, aproveitando todos os momentos restantes. Ele  era mais velho e iria partir para a Austrália no dia seguinte, à procura de uma vida melhor e para surfar. 

Mas um pensamento castrador fez-me voltar à realidade: temos de ir embora, pensei angustiada. E naquele instante sou absorvida pela nostalgia e transportada para um estado apático durante o meu momento de contemplação. Era a tentativa de prolongar aquele fim de tarde até ao impossível, porque sabia que ao voltarmos para as nossas casas disfuncionais, todos os nossos sonhos ficariam naquela praia. 

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