IV - Os sorrisos mentirosos de um comediante infeliz

373 29 12
                                    

Eddie estava mais tranquilo após ter enchido a pobre enfermeira de incontáveis perguntas sobre viroses, infecções e outras doenças que achava que poderia ter contraído. Agora, Eddie elaborava alguns questionamentos finais sobre os perigos da não desinfecção de ferimentos e a importância da esterelização de equipamentos, e enquanto a mulher dava o último ponto em seu braço, (ela aparentava querer se livrar de Eddie logo), Richie voltou.

Pouco antes de direcionar seu olhar em direção a Richie, vendo-o ainda apenas com o canto dos olhos, Eddie constatou que ele parecia um tanto sério, preocupado e pensativo (algo bem incomum vindo do cara impulsivo das mil e uma piadas de 5ª série), porém, assim que Eddie olhou diretamente para ele, a expressão de Richie mudou, surgindo de repente em seu rosto o mesmo sorriso travesso de sempre, sorriso esse que, embora Eddie nunca fosse admitir, ele gostava muito de ver.

-Oi de novo, Eds! Voltei pra te buscar! - Richie falou isso de forma provocativa, usando de propósito a entonação que um pai usaria com seu filho pequeno ao ir buscá-lo na escola após o primeiro dia de aula, também a mesma que um dono usaria com seu cachorrinho de estimação ao ir buscá-lo no pet shop.

Eddie ficou vermelho de raiva e vergonha, pedindo desculpas à enfermeira pelo comportamento infantil de Richie.

-Espero que ele não tenha dado muito trabalho, senhora! - continuou Richie - As crianças nessa idade... eles fazem tantas perguntas, né?

A enfermeira riu.

-Pois é, o bom é que geralmente é só uma fase. - Disse ela.

Disfarçadamente para a mulher não ver o gesto, Eddie mostrou o dedo do meio para Richie, que fingiu estar ofendido. Após isso, Eddie agradeceu a enfermeira por ser tão paciente e desculpou-se pela quantidade de perguntas.

-Me desculpe também pelo meu amigo ali - Eddie sussurrou, num tom alto o suficiente para que Richie também o ouvisse - a mãe dele o atropelou quando ele era um bebê, por isso ele é assim.

-Cara - disse Richie, ficando sério de repente - a piada não é muito legal quando você zoa um trauma sério assim.

-Pera, sua mãe te atropelou mesmo!? - Eddie pareceu chocado, ele tinha falado aquilo apenas brincando.

Richie soltou uma gargalhada singela.

-Não! - Disse ele, ainda etre risos - É claro que não! - Richie pensou por um segundo ou dois - Bom, pelo menos eu acho que não, haha!

-Com certeza atropelou - murmurou Eddie, aliviado por ser mentira mas ainda achando que havia uma pequena chance de ser verdade.

A enfermeira observou os dois, um pouco de felicidade aparecendo em seu rosto após uma manhã péssima.

-É bom saber que ainda existem pessoas bem humoradas assim no mundo, são tempos difíceis, precisamos de mais sorrisos. - a mulher disse, olhando para os dois e exibindo um sorriso cansado - Mas agora, com licença, tenho mais pessoas para atender, se cuidem rapazes!

-Ah sim, eu sempre cuido muito bem do Eds, né Eds? - Richie disse, beliscando a bochecha de Eddie, um velho hábito de quando eles eram crianças.

A enfermeira riu, e Eddie, com expressão irritada, arrastou Richie para longe.

-Cara, eu odeio quando você faz isso. - disse Eddie - Nós não somos mais crianças, precisa mesmo me chamar de Eds e beliscar minha bochecha assim? Na frente das pessoas?

Richie ergueu uma sobrancelha em sinal de dúvida e encarou Eddie.

-Então quer dizer que quando não é na frente das pessoas você gosta?

Mais uma vez, Eddie ficou vermelho de vergonha e irritação.

-Olha, não foi isso que eu... Por que você faz essas coisas?

Richie deu de ombros e sorriu.

-Sei lá, Eds, talvez eu apenas goste do conceito: "anão irritado".

-Eu não sou um anão! - Eddie arregalou os olhos indignado, gesticulando com as mãos sem parar - E, pelo amor de Deus, para de me chamar de Eds!

-Desculpa, é que eu realmente te acho um pinscher muito fofo. - Richie disse sorrindo, dando um tapa na nuca de Eddie.

Eddie suspirou, desistindo de argumentar com Richie. Em partes desistiu por que sabia que não importava o que ele dissesse, Richie nunca pararia de atazaná-lo. Em outras partes era por que talvez Eddie não quisesse tanto assim que Richie parasse de atazaná-lo. No fim das contas, Eddie odiava quando Richie o chamava de Eds, mas achava que poderia odiar mais ainda se acontecesse de Richie nunca mais chamá-lo assim (mas Eddie nunca amitiria nada disso em voz alta, é claro).

Richie estava caminhando meio sem rumo pelo ginásio, Eddie apenas o seguia e observava o caos ao redor: pessoas feridas, desaparecidas e mortas, toda a energia pesada de morte e tristeza proeminentes que permeava todo o local.

Tudo aquilo lembrava um pouco a Eddie de quando ele e os demais Otários eram crianças: as mortes, os desaparecimentos, os desesperos, medos e angústias. Bill e seu irmão George, o começo de tudo. Derry era o centro de muita dor, não apenas para os Otários, mas também para muitas outras pessoas, as vítimas diretas ou indiretas de Pennywise, o palhaço que manipulava toda a cidade para ser seu abatedouro pessoal. Um garoto que morreu pelas mãos do próprio padrasto, inúmeros casos de bullying pesado no colégio, um crime incendiário que matou dezenas de pessoas num clube, o jovem casal gay que recentemente foi espancado (e um deles morto) por um bando de idiotas (esse último caso sendo um dos que mais causava arrepios em Eddie)... Derry era a capital do medo, ninguém lá estava seguro.

Eddie olhou para Richie, meio preocupado, ele estava quieto há tempo demais para os padrões Richie Tozier de ser. Eddie diria que ele parecia até mesmo nervoso e distante, mas seria estranho, essas palavras normalmente eram impossíveis de se conectar ao nome e imagem de Richard Tozier.

-Acabou? - disse Eddie.

-O quê? - respondeu Richie.

-Seu repertório de piadas.

-Que piadas?

-Aquelas que você sempre faz, tipo, "comi a sua mãe" e etc.

Richie parou abruptamente, confuso, e encarou Eddie.

-Quem disse que era piada?

Eddie deu uma cotovelada no braço de Richie, que sorriu antes de voltar ao seu novo modo sério e pensativo. Eddie estava feliz por Richie ainda ter piadas para fazer, mas não podia deixar de estar um pouco preocupado pelo seu estado incomum.

Após uma caminhada de um lado até o outro do ginásio, Richie abriu uma porta que levava até um canto vazio situado ao lado de fora do colégio. No chão, não muito longe da passagem, havia duas bitucas de cigarro - "talvez fosse ali que Richie estivera fumando antes" - Eddie observou em seus pensamentos.

Eddie estava prestes a abrir a boca para perguntar o que eles fariam ali, mas antes mesmo de saber o que ele perguntaria, Richie respondeu a pergunta, parecendo estar realmente sério sobre alguma coisa pela primeira vez na sua vida.

-Eddie, eu acho que a gente precisa conversar.

______________________________________________

Eu teria conseguido postar antes se não estivesse tão enrolada com a faculdade kkkkk

Espero que estejam gostando e até a próxima! :)

(E, se quiserem, podem comentar, isso anima muito qualquer escritor ;)

E se...? - ReddieWo Geschichten leben. Entdecke jetzt