Conto - O que aconteceu no Japão

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Andressa acordou pontualmente às oito horas e, a essa altura, Jack já estava no clube realizando uma série de exercícios físicos. Como de costume, ela levantou-se para beber um copo d'água, pois sempre acordava com a garganta seca, e notou uma leve ondulação nas cortinas enquanto passava pela sala, como se entrasse vento pela janela, apesar da mesma estar fechada. Ignorando as persianas, dirigiu-se até a cozinha e serviu-se de um copo de água bem gelada.

Bebeu metade em um só gole, porém, antes mesmo que pudesse levar o copo novamente aos lábios, ouviu uma risada abafada ecoar pelo ambiente. Soltando o copo imediatamente, acrescentou ao apartamento o som agudo do estilhaçar do vidro em contato com o chão e seu grito exagerado.

Os cacos se espalharam pelo piso e um, especificamente, arrancou um pequeno filete de sangue da sua perna. Sobressaltada, porém com a adrenalina pulsando nas veias, Andressa se lançou de volta à sala (o que seria muito rápido de qualquer forma, devido à pequena distância entre o local) para se deparar com exatamente... nada. A sala estava vazia, calma e aparentemente normal. Não havia nada que pudesse ter emitido tal som, nem mais ondulações na cortina. Com as batidas do coração se acalmando e a certeza de ter ouvido seus prováveis vizinhos, Andressa reuniu coragem para voltar à cozinha e arrumar toda a bagunça que os cacos tinham feito, além de limpar seu corte na perna, tentando não pensar no quão tola havia sido.

Depois daquele incidente, os dias correram normais e tranquilos, sem mais sustos sem motivos. Jack folgava uma vez por semana do trabalho, enquanto Andressa aproveitava para cuidar da casa, navegar pela internet buscando material para seu futuro blog sobre curiosidades do Japão e nos dias livres ambos exploravam os arredores de Akita e faziam agradáveis passeios turísticos.


* * *


O crepúsculo dava o ar da sua graça trazendo suas nuances escuras para o céu, que outrora reluzia em tons cinza de inverno. Era uma quarta-feira fria e solitária para Andressa, que se encontrava sem companhia e entediada no apartamento. Estava cansada das pesquisas na internet, dos programas da televisão, das leituras e de qualquer atividade que pudesse realizar.

Levantou-se preguiçosamente do sofá para ir até o banheiro, quando ouviu um tilintar de talheres na cozinha. Desviou o caminho a fim de seguir o ruído, mas, como já imaginava, encontrou apenas a cozinha perfeitamente no lugar (com toda a louça secando sozinha sob a pia, até porque, para ela, no lugar definitivamente não significava em ordem ou organizada).

Após ir ao banheiro, a garota voltou rapidamente para a sala, estirando-se como um lagarto no sofá, coincidentemente, no mesmo instante em que a campainha soou aguda sob o silêncio do apartamento. Ela levantou-se num sobressalto, afinal, a campainha nunca tocava, pois eles ainda não conheciam ninguém do hotel. Certamente é o porteiro, pensou com convicção.

Calçando os chinelos, dirigiu-se até a porta e a abriu num puxão. Não havia ninguém do outro lado. Andressa deixou escapar um olá tímido, acompanhado de um calafrio que percorreu sua espinha. O corredor à sua frente estava escuro e vazio, o elevador encontrava-se muitos andares acima, talvez alguém tivesse vindo pelas escadas... E se confundido com o número do apartamento, é claro.

Andressa fechou a porta com força, entretanto, ao virar-se, sentiu, como em câmera lenta, sua pressão arterial cair e o pavor invadir-lhe todos os poros possíveis. As pernas bambearam e a garota teve que se segurar no móvel mais próximo para não desabar no chão enquanto avistava as janelas da sala que, até um segundo atrás estavam trancadas, escancaradas e com as cortinas abertas, expondo o céu já escuro da vista externa.

Todas suas veias saltaram enquanto ela grunhia um som rouco, perplexa. Após permanecer paralisada por longos minutos que mais pareceram horas, finalmente reuniu resquícios de coragem para ir até a janela e confirmar o que já imaginava: não havia nada nem ninguém ali. Imediatamente as fechou, cortando a corrente fria de ar que invadia o ambiente, e cerrou novamente as cortinas.

Quando o marido voltou do trabalho, Andressa lhe contou o que havia ocorrido. Jack, por sua vez, exausto após um longo dia, insinuou que a esposa estava ficando muito tempo sozinha, e isso poderia estar aguçando sua imaginação de uma forma não saudável. Pediu para ela não ficar assustada, pois certamente a janela já deveria estar aberta, o vento apenas a escancarou e ela sobressaltou-se com o ruído da campainha. Andressa bufou, pois sabia que isso não era verdade. Contudo, não queria causar má impressão ao marido. Não estava louca, muito menos vendo coisas.

Passaram-se mais um bocado de dias até Andressa vivenciar outra experiência estranha - ou, ao menos, sem explicação. Era um entardecer de segunda-feira de um dia frio, nublado e chuvoso, assim como eram a maioria dos dias na cidade. A garota bebia um chocolate quente enquanto programava novos posts para seu blog, agora já funcionando. Neste dia, o tema da pesquisa foi sobre fantasmas e monstros japoneses, faria uma postagem especialmente dedicada ao assunto polêmico.

Com o notebook disposto sobre a mesa de jantar, a garota se debruçava sobre os braços, enquanto alternava cliques no mouse com bebericadas no chocolate quente. O trabalho fluía bem até um som interromper sua concentração. Dessa vez era uma risada abafada que nitidamente vinha do quarto, estava próxima demais para vir dos apartamentos vizinhos.

Andressa, já se acostumando com essas ocorrências, mas nem por isso deixando de sentir uma forte onda de medo, levantou-se lentamente, se aproximando à medida que o som se tornava mais forte.

Com o coração na boca, ela avançou passo a passo até o quarto, já imaginando que não iria encontrar nada como de praxe. Empurrou lentamente a porta, que se encontrava encostada, semicerrando os olhos a fim de discernir alguma coisa no quarto escuro. Contudo, dessa vez, havia algo lá. Envolta nas sombras do ambiente havia uma mulher vestida de branco, com cabelos muito negros e muito lisos caídos sob o rosto. Andressa olhou de cima a baixo, petrificada, com a boca aberta em sinal de puro desespero.

A mulher não tinha pés.

Flutuava sob o quarto de uma forma terrivelmente bizarra, levemente curvada e com os cabelos negros encobrindo todo o rosto. A risada foi substituída por um murmúrio, um resmungo de dor, de desespero agonizante.

A garota pensou que iria desmaiar ou que não conseguiria se mover. Mas com a adrenalina pulsando, virou-se e correu até a saída do apartamento, se lançando em direção as escadas, com medo de encontrar a mulher também no elevador. Deixou a porta do apartamento escancarada e sem nenhum trinco. Chegou ao térreo com dificuldade de respirar, aos soluços, entrando em estado de choque. Sua visão escurecia na medida em que ela alcançava o primeiro andar. Por sorte, foi socorrida pelo porteiro, evitando uma queda feia.


* * *


Andressa acordou com o som de um bipe. Abriu os olhos, que se irritaram com a luz forte, voltando à consciência aos poucos. Estava deitada em uma cama de hospital e Jack encontrava-se ao seu lado, segurando uma de suas mãos.

— Graças a Deus! O que aconteceu querida? Você desmaiou no hotel — disse Jack.

Andressa não se lembrava.

Lembrava de ter corrido pelas escadas muito assustada e até mesmo de ter deixado a porta do apartamento aberta, mas não fazia a menor ideia do motivo. Balançou a cabeça em negativa. Jack assentiu.

Em breve Andressa ganhará alta e poderá voltar ao apartamento. Afinal, ainda não recebeu as boas vindas de todos os seus moradores.


Taquicardia e outros sintomas do medoWhere stories live. Discover now