Capítulo 1 - crumbled

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Luzes, ruídos irreconhecíveis e um movimento persistente e extremamente doloroso começam a me deixar tonta. Tonta, ou enjoada ou mareada, na verdade não sei, não sinto o suficiente para decidir... Tento filtrar as vozes no meu entorno, a primeira que distingo é uma voz calma, centrada e reservada semelhante a de uma psicóloga, ligo os pontos então, minha mãe a famosa Dr. Robins está ao meu lado. É aí que percebo que eu realmente estou com sérios problemas, nunca encontro minha mãe durante o dia ou no fim de semana. Me recordo; ultima lembrança que tenho é do meu treino de sábado. O pânico me leva então a criar uma curta metragem sobre a vida que tive antes que as luzes perturbadoras sejam a última coisa que verei na minha vida

Olhei para baixo com um orgulho que já não cabia mais em meu peito, amarrei minha faixa branca para salutar pela primeira vez meu sensei após a melhor primeira aula de judô que uma menininha de 5 anos poderia ter. Foi a primeira memoria vívida que veio em minha mente... eu de joelhos entre doze garotos intimidadores com minhas marias-chiquinhas encaracoladas. Depois veio o abraço apertado de uma mãe nervosa "Meus cachinhos de chocolate", me desvencilhei do constrangimento para mostrar minha força a independência apesar do meu medo de fracassar. A próxima cena do filme seria a formatura do ensino fundamental; era um dia de calor raro no sul da Escócia em que as crianças sorridentes comemoravam a felicidade de entrar finalmente no ensino medio, mal sabiam que a melhor parte da vida tinha acabado de se esvair perante seus olhos. Abracei minhas pessoas para a foto que guardo preciosamente até hoje. As bochechas amassadas de Vence entre meu ante braço e biceps direito é inesquecível, e Isla apoiada no meu ombro esquerdo com os olhos sorrindo para a camera... eu amo esses dois mais que brigadeiro. Sim, brigadeiro, pois apesar de ter vivido minha vida inteira consciente aqui na Escócia, sou brasileira, fajuta certamente, mas sou latina, o que pode se notar pelo tom mais moreno da minha pele. Comecei a sentir fisicamente um chacoalho violento, mas isso me reenviou ao momento mais emocionante da minha vida; a ultima montaria a cavalo na praia da cidade natal da minha mãe na américa, ano passado no auge de meus 18 anos.

A chacoalhada era da maca deixando a ambulância e entrando na unidade de tratamento intensivo, então uma voz se sobressai ; "Female, 19 years old, Paige Robins, fracture T5". Tento gritar quando percebo o que acabei de quebrar, não era o pulso ou o tornozelo que nem as vezes anteriores... mas nada sai de dentro de mim a não ser lágrimas, eu diria de pânico, mas já passei desse estágio. Uma máscara é então colocada diante meu nariz e boca e me pedem para contar de 10 decrescendo... 10...9...8...7...6...

Meus ouvidos estão sendo meus grandes alertas, pois meus olhos e meus lábios estão pesados demais para abrirem, minha mão está em meio de fios gelados, então ouço, e ouço choro de bebê, um choro doído e penetrante, acho que é graças á essa dor alheia que acho energia para murmurar ; "ele está com dor". Acho que falei isso para não deixar transparecer minha ausência de sentido, pois nesse momento não sinto minhas pernas, meu torso ou qualquer dor que tento desesperadamente perceber, em vão. O choro ficará sempre comigo...

***

Sentada sozinha em minha cama do centro de reabilitação começo a escrever sobre a experiencia que acabei de viver, ou melhor, sobreviver pois só agora consigo pensar claramente já que as doses dos remédios estão diminuindo, não sei se gosto disso aliás.

Fiquei apagada por múltiplas horas antes de acordar de novo, culpa da anestesia que foi necessária para que pudessem rasgar minha pele das costas da lombar até a nuca, para cortarem meus nervos, arrancarem meus músculos para fora do caminho para finalmente chegarem à minha coluna fraturada, mais especificamente minhas vertebras torácicas. Meus olhos continuavam relutantes para perceber a realidade, então minha boca tenta buscar informações externas sobre o que tinha acabado de me destruir de dentro para fora. "O que aconteceu ?", três simples palavras que iniciaram um discurso doloroso da minha mãe.

ΊριςWo Geschichten leben. Entdecke jetzt