Soldado do diabo

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KEISA


Havia algum tipo de ruído ofuscando toda a minha concentração no caos que se erguia pelas peredes sofisticadas daquela sala enquanto meu corpo continuava paralisado feito pedra. Os gritos da discussão de Heloise já não eram altos o suficiente para camuflar meus pensamentos, os olhos preocupados de minha mãe não roubavam mais a atenção e a presença de Isac empalhando meus ombros com algum tipo de cobertor fino não me preenchia mais de desconforto assim que ele ditava palavras das quais eu não conseguia escutar.

O nervosismo havia tomado controle e eu já não sentia mais os dedos dos pés ou meus músculos pesados, era como se tudo não passasse de um transe lento. Pensei em Fane e na forma que foi levado injustamente, pensei na família que sofreria pelo acaso, mas principalmente, pensei em Ivarsen e em como doeria nele quando descobrisse que a pessoa mais importante para ele estava sujeito a situações repulsivas em uma cela inoportuna. Os pensamentos estavam pesando de um modo ruim quando o som alto de um tapa me fez erguer o olhar e vencer a voz do meu subconsciente.

Heloise estava estática com o rosto virado para o lado e o cabelo embaraçado pelo esforço em que fazia antes de nosso pai a acertar no rosto. A sensação de vê-la sendo agredida fez minha cabeça doer, e eu gostaria de abraçar minha irmã se ela não estivesse parecendo um vulcão em erupção, e com toda razão do mundo para isso.

— Parece que vocês não escutam se não tiver agressão envolvida! — meu pai colocou as mãos nos quadris gordos e ofegou. — A partir de hoje quem sair sem minha permissão vai levar uma bala nas pernas. — ele olhou diretamente para mim. — Não importa se for por uma semana, um dia ou uma hora, eu vou dar a permissão para atirar. E se por acaso ousarem chegar perto dos malditos Torrance e toda a família de merda vou fazer questão de eliminar um por um na frente das duas! Entendido?!

Nenhuma palavra saiu de minha boca. Nenhuma expressão desenhou em meu rosto, mas a batalha para decidir o vencedor de qual sentimento me faria chorar primeiro estava chegando ao fim.

— Vai para o inferno, filho da puta! — Heloise xingou avançando para o arco que separava a sala do restante da casa. Me perguntei se meu fim teria sido diferente se fosse eu quem tivesse dito tudo aquilo na cara do capitão, certamente meu castigo seria pior do que um tapa na cara.

— Agora, nós temos um casamento muito bonito para planejar. — ele disse como uma piada. — Já perdemos tempo demais.

Quando levantei do sofá sem saber ao certo para onde ir ou correr minha mãe avançou para perto de mim. Ela me abraçou e só assim pude perceber o quanto seu corpo pequeno tremia, eu retribuí o aperto e encarei-a nos olhos banhados em lágrimas pesadas.

— Eu estive bem. — sussurrei para ela.

Ela abriu a boca mais nada saiu, levando as mãos para frente do corpo minha mãe fez um movimento de comunicação do qual eu não saberia traduzir tão bem quanto Heloise conseguia. Gesticulou e depois tocou o peito, então eu soube, ela esteve preocupada.

— Não aconteceu nada, me perdoe. Eu não soube como reagir, fiquei apavorada quando disseram que eu precisava me casar com urgência e com um homem que eu sequer conheço. — meu tom havia se tornado muito baixo, mas ela compreendeu totalmente enquanto balançava a cabeça em confirmação. Laila Blonder apontou para cima. — Vá ver como ela está. Heloise precisa muito de você agora, mãe.

A última palavra se estendeu como um sopro, mas eu jamais iria negar o fato de que minha mãe era quem era e demonstrava da forma que podia. Não deixei de observar o vermelho do corte no canto do seu lábio, alguma marca azulada na região do pescoço evidenciando a agressão que meu pai jogou contra ela no tempo em que estive fora.

Hunting - Ivarsen Torrance Onde as histórias ganham vida. Descobre agora