Prologo

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Antes.


Hoje será um dia feliz.

Repito essa frase para mim diversas vezes, como um mantra, enquanto observo minha imagem no espelho e dou ordens expressivas ao meu corpo para manter a postura. Erga a cabeça, não abaixe essa cabeça!

Não posso negar que estou bonita. Minhas servas realmente fizeram um ótimo trabalho e merecem uma recompensa grandiosa. Eu não me considero um ser agraciado com a dádiva de uma beleza avassaladora, mas bem, no dia do casamento é necessário que eu esteja no mínimo tolerável.

Meus dedos percorrem o vestido de seda com um singelo decote em V. É pela minha mãe que estou vestindo essa peça, pois definitivamente eu não combino de branco. Meus cabelos ruivos estão seguros num penteado bem elaborado, e minha pele pálida poderia fazer alguém pensar que eu estou doente. Há uma tiara de brilhantes em minha cabeça, anunciando o título no qual eu trocarei em menos de uma hora.

Deixarei de ser a princesa da Irmandade Flamejante e passarei a ser a Guardiã do Fogo. E automaticamente, Rainha dos domínios onde vivo.

É uma responsabilidade extremamente importante que irei assumir agora. Eu faço parte da Dimensão dos Elementais, que é dividido em quatro elementos fundamentais para a existência de qualquer raça do Universo: Ar, Terra, Água e Fogo. Meu pai foi o Guardião do Fogo durante dois mil anos, encarregado de proteger a fonte do nosso povo. Somos responsáveis por tudo o que queima, tudo o que aquece, tudo o que arde e tudo o que reluz.

A Coroa é passada de geração por geração, e agora chegou a minha vez. Para que isso aconteça, é necessário que eu sele uma aliança com alguém que faça parte da Roda Do Fogo, ou seja, que possua um título de nobreza em nossas terras. O escolhido foi o General Kenneth.

E infelizmente, ele não foi o escolhido por mim.

Sempre desejei casar por amor, e não por questões reais. Entretanto, para alguém como eu, meu desejo estaria sempre longe do meu alcance.

— Que dia mais estupendo! Eu esperei tanto por ele! — mamãe entrou no meu quarto cantarolando, quase rodopiando. Ela estava tão mais entusiasmada e bela do que eu, que parecia até mesmo que quem iria se casar era ela.

— Fico feliz que a senhora esteja feliz — tento dar o meu melhor sorriso.

— Ora, minha Labareda, quero que a sua felicidade seja pelo seu casamento.

Não posso evitar um suspiro quando ela diz meu apelido de infância. Ela tinha o costume de me chamar de Labareda quando eu me machucava durante os árduos treinamentos de fogo que tinha ou quando eu ficava triste por qualquer coisa.

Ela me chamava assim quando queria me confortar.

Ótimo. Isso era um claro sinal de que meu rosto-feliz-de-noiva não estava sendo muito convicto. Mas eu não tenho culpa se intuição de mãe nunca falha.

Ela se aproxima de mim e segura minhas duas mãos. Seu toque é delicado e macio.

— Você está tremendo.

— Estou nervosa.

— Não fique — ela me pediu e sorriu ternamente, aquele sorriso que só uma mãe seria capaz de esboçar. — Você foi preparada para esse momento durante toda sua vida, e tenho a mais plena certeza de que seu pai e eu fizemos um ótimo trabalho. Você se casará com um guerreiro honrado, se tornará a Guardiã do Fogo e assumirá o Trono. O que pode dar errado?

Pensei antes de responder. Eu tinha feito, na noite anterior, uma listinha mental intitulada de Coisas Que Podem Dar Errado Após Meu Casamento:

UM: SER REJEITADA PELO MEU ESPOSO

DOIS: SER CONSIDERADA PELOS SÚDITOS COMO UMA RAINHA IMATURA, JÁ QUE EU TENHO APENAS DUZENTOS ANOS DE IDADE

TRÊS: ENFRENTAR UMA GUERRA, POIS NOSSO REINO VIVE SENDO AMEAÇADO CONSTANTEMENTE

Existiam outros tópicos, mas eu aquietei meus pensamentos.

— Farei com que tudo de certo, mamãe.

Ela deposita um beijo rápido em minha testa.

— Essa é a minha Labareda.

Seguimos até um espaço aberto do castelo, onde a cerimonia seria realizada por ninguém menos que meu pai. Prendo a respiração quando me deparo com a enorme quantidade de convidados à minha espera - a maioria deles eram súditos e seres que eu nem conhecia.

Não havia nenhum amigo meu presente pois eu nunca tive amigos.

Centenas de olhares se voltaram para mim, incluindo o do meu noivo.

Ele estava lindo, como sempre. Alto, pele bronzeada e cabelos que lembravam o cobre forjado no fogo, além do porte musculoso que arrancava suspiro de qualquer garota do reino. Eu não era baixa, mas sempre fui magrela, então, em termos físicos, eramos bem diferentes.

Com as mãos para trás, ele dá um sorriso modesto enquanto sou guiada pela minha mãe.

Ao lado dele, meu pai tinha um sorriso que ia de orelha a orelha. Com seus trajes reais e sua coroa majestosa, ele me fita orgulhoso. Talvez fosse pelo fato de me tornar rainha ou de ter a coragem suficiente para me casar com alguém que não me amava.

Não que Kenneth me odiasse. Na verdade, ele sempre se mostrou gentil em nossos poucos e rápidos encontros. Acho que era pena de mim. Não sabia quais eram os sentimentos dele, mas quem em sã consciência poderia se apaixonar por alguém como eu?

A cerimônia foi objetiva. Após trocar os votos com meu noivo - agora meu marido - papai retirou a coroa e a pôs em minha cabeça. Vi algo reluzente em seus dois olhos enrugados, quando ele aproximou-se, provavelmente eram lágrimas muito bem contidas. Já mamãe chorava descontroladamente - ela nem fazia questão de esconder.

— Claire Dellune — meu pai ergueu o tom de voz, — de agora em diante você é a Rainha da Irmandade Flamejante e Guardiã do Fogo. Tenha prosperidade em seu reinado, seja sabia em suas decisões e que todos os seus inimigos temam e tremam perante o seu poder. Tem a minha benção, filha, para governar como um dia eu...

— CALE-SE!

Uma voz grave ecoou da multidão, e todos olharam para o local de onde ela vinha. Um homem de cabelos vermelhos e longos, usando trajes de couro preto, deu alguns passos para frente, revelando a sua face tomada por ira. Meu pai ficou boquiaberto e, minha mãe, aterrorizada.

— O que... o que você faz aqui? — papai vociferou, enquanto os soldados que faziam a guarda se colocaram em posição de ataque. Kenneth desembainhou sua espada e me empurrou para de trás dele, no intuito de me proteger.

— Vim prestigiar o casamento de minha sobrinha — ele me olha cruelmente, — e tomar o que é meu por direito, querido Adam.

— Você foi banido da Irmandade há quinhentos anos, Eliel! Como escapou da prisão?

— Eu tenho os meus meios, Adam — ele deu outro passo, e todos que estavam ao redor dele se afastaram. — E um deles é o uso de violência.

Eu não poderia deixar tal afronta acontecer, ainda mais agora que fui nomeada rainha. Num impulso rápido, vou para a frente de Kenneth. Aponto minhas mãos, envoltas no fogo, em sua direção e lanço minha advertência:

— Você não é bem vindo aqui, Eliel. Saia imediatamente do meu reino e nunca mais volte, ou haverá graves consequências das quais eu mesma me encarregarei!

Ele dá uma risada maléfica.

— Criança tola — ele ergue as mãos, que também estão flamejando, — esse reino é meu, por direito.

— O único direito que você tem é o de ficar calado — eu rebato. — Guardas, capturem esse homem!

E então, antes que alguém pudesse por as mãos em Eliel, o peito dele reluziu de uma forma assustadora. Uma luz irradiante e vermelha. Um fogo que saia de dentro pra fora.

Ele explodiu.

E tudo escureceu.

Dreams On Fire - Sandman FanficDove le storie prendono vita. Scoprilo ora