O lado feio do sentir e do ser.

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Existem sete bilhões de pessoas no mundo, e na verdade, começar alguma coisa com isso é um pouco estranho. "Existem sete bilhões de pessoas no mundo". É engraçado como não dá para ter certeza e controle sobre até mesmo a quantidade de pessoas que existem aqui e agora. Nesse espaço-tempo. Nessa terra. Pode até ser em outros solos, em outras circunstâncias, em um mundo fisicamente, mentalmente, sentimentalmente diferente, mas ainda é aqui. É loucura que ainda é aqui. Posso pegar um avião e atravessar o céu e ainda continuará sendo aqui. Posso viajar pelo universo e ainda continuará sendo aqui. Continua sendo o que é.

Sou um ponto vermelho dentro de um mapa extenso. E online. Eu mudo de casa, mudo de estado. Preciso mudar de país e quando pisco já estou plantando outros costumes, aprendendo sobre novos caminhos, me vendo em lugares que eu não imaginava, entendendo sobre novos enquadros e focos. Saboreando um mundo que eu não fazia ideia de qual era o gosto. Nem sabia que tinha um gosto. Me desloco, me arrumo, me mexo e remexo, mas não mudo de cor. Ainda sou um ponto vermelho dentro de um mapa extenso e online. Nada mudou. Os oceanos continuam azuis. A terra onde posso pisar ainda é mostrada como amarelo pelo aplicativo de localização. O céu é tão imprevisível que não aparece. Não sei se posso defini-lo como lindo, como tenebroso. Ele ainda é uma metamorfose. Não se dá para definir uma metamorfose além de metamorfose. Uma pessoa está nascendo agora. Pessoas estão nascendo agora, de um vez só.

E tudo continua do jeito que estava.

Menos eu. Agora, estou em outro país, plantando novos costumes e fazendo uma colheita que não sai tão abundante, progressora e satisfatória quanto imaginei. Estou aprendendo sobre novos caminhos em um processo tortuasamente lento. Me vendo em lugares que eu não imaginava, entendendo sobre novos enquadros e focos e entendendo mais ainda como saber é uma maldição. Como eu poderia ter ficado ignorante e ainda estar mais satisfeita. Minha boca não estaria arrependida de não ter cedido a ideia de abrir e provar um sabor novo. Minha garganta não sofreria ao engolir a tristeza, essa circunferência com um volume denso demais para que permaneça em mim, mas que continua descendo e descendo, se aconchegando em mim porque já está quase se tornando uma coisa minha, como errar paradas enquanto estou de ônibus, ou como não gosto de salgados. A tortura já está fazendo parte disto aqui há muito tempo enquanto alguém nasce, morre, chora, enquanto as pedras se molham e se refrescam graças as ondas, enquanto o sol conversa com o mar o implorando com palavras compridas, sofridas e belas para que aproveite o que ele mesmo não pode aproveitar com a lua, porque ela é tão cheia de fases, mudando o tempo todo, e ele não acompanha seu ritmo. Não pode. Não consegue. Enquanto alguém à minha frente ri de algo e eu tento rir para que isso me dê algum prazer. Para que o riso e a divisão de felicidade genuinamente me alegre. Não funciona porque machuca.

É difícil saber que a tristeza está se transformando em um pedaço de você enquanto tudo não poderia estar melhor. Enquanto mudou para melhor, mudou para o melhor. Se mexeu e remexeu. Mas aquela pontinha do iceberg da tristeza continua entalada na garganta porque ela sabe, simplesmente sabe, que mudança nenhuma gera um amor, gera carinho, gera parceria, gera conversa inspiradora, maluca, instigante. Gera consideração. E ela sabe também que sentir é algo que eu preciso. Ser um pontinho vermelho que muda mas não muda nada é uma coisa tão insuportávelmente deprimente e humilhante que essa pontinha sábia pode cortar minha garganta e terá força o suficiente para fazer minha cabeça ser arrancada fora.

E esse é o lado feio de ser. Porque enquanto se é, é tão difícil que algo mude. E esse é o lado feio de sentir, porque enquanto nada ao redor se transformou, várias peças suas mudaram para que você pudesse formar algo muito maior. Sentir algo muito maior. Só que nada mudou. E a densidade da mudança te sufoca. E não dá para nadar em superfície então você se afoga. E alguém nasce.

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