26 - Apaixonada

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Julian

Quando finalmente entrei em casa, encontrei tudo exatamente como deixei.

A mesa de centro estilhaçada no chão e o café derramado eram resultados da briga que meu pai e eu tivemos.

A TV no mudo, apenas as imagens passando deixava tudo ainda mais caótico, o silêncio era ensurdecedor.
No chão, um porta retrato quebrado me chamou atenção. Era uma foto do meu avô e eu, no meu primeiro jogo de basquete pelo ISC.
Peguei o porta retrato e posicionei no lugar dele na estante.

Fui até o quarto do meu avô e ele estava deitado de lado na cama.
Os meus pais provavelmente foram embora há muitas horas, e acredito que ele esteja aí desde então, visto que a bagunça está intacta.

Eu não quis acordá-lo, então fechei a porta lentamente, mas para minha surpresa, ele estava acordado.

—Que bom que chegou, neto. —disse, sem olhar pra mim.

A voz fraquinha dava indícios que ele havia chorado mais desde que saí.
Mais uma vez aquela sensação ruim caiu sobre mim, eu estava me sentindo péssimo.

Entrei no quarto e me aproximei dele, estava encolhido na cama.

—Me desculpa por hoje, vô. —eu disse sentindo meus olhos lacrimejarem. —Eu fui um idiota, não pensei direito e te magoei. Me desculpa, isso não vai mais acontecer.

Meu avô se sentou na cama.

—Você me perdoa, vô? —perguntei, incomodado com seu silêncio.

—Eu amo você mais do que a mim mesmo, neto. E eu te perdôo, e perdoaria outras mil vezes, mas eu realmente espero não precisar fazer isso.

Assenti com a cabeça, evitando chorar na frente dele, mas foi impossível segurar quando em um ato paterno ele me deu um abraço que nunca recebi do meu pai biológico.

—Eu também amo você, velhinho.

Depois meu avô me disse que o meu pai disse á ele que jamais voltaria pra nossa casa enquanto eu estivesse aqui, e isso me traz um certo alívio, mas o meu avô estava claramente triste com isso, e minha mente totalmente confusa sobre qual seria o meu próximo passo.

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Kira

Com o passar dos dias as coisas foram normalizando um pouco, Julian estava mais feliz e isso me deixava feliz também.
O restaurante Raices estava indo tão bem que os pais do Juanito contrataram mais garçons e isso me deixava bastante feliz.

"Miss simpatia, esteja pronta às 20h, vamos sair de casalzinho com o Juanito e a Rosa pra aproveitar nossa folga em dia de semana, Não aceito 'não' como resposta 😘"

Sorri ao ver a mensagem do Julian. Eu gosto dessas surpresas que ele faz.

No ISC, eu sentia que como ajudante do mestre eu estava me desenvolvendo cada vez mais no Muay Thai e a Rosa também, ela estava deslumbrante, cada vez mais forte e mais experiente.

Sentia que minha relação com o mestre estava melhorando também, conheci um lado brincalhão dele em algumas de nossas muitas conversas depois das aulas, quando todos os alunos saem da sala, é impressionante como o convívio faz você enxergar várias coisas novas sobre as pessoas, O mestre todo sério e bruto mostrava um lado carinhoso que ele só tinha comigo.

—Rosa está evoluindo bem. —O mestre comentou, assim que todos saíram da sala.

—Estamos treinando nos fins de semana. Estou feliz que está dando resultado. —eu disse enquanto arrumava minhas coisas.

—Com uma mestre particular feito você, qualquer um aprende Muay Thai. —ele sorriu.

—Está sendo puxa saco.

Ele riu, me olhou de canto.

—Ainda trabalha naquele restaurante mexicano? —perguntou.

—É colombiano, e sim, eu ainda trabalho no Raices.

—E dá uma grana boa?

—Não é muito, mas eu consigo me manter.

—Já pensou em mudar de vida? Sabe... Tirar o seu sustento de outra coisa?

—Como assim, mestre? Você sabe muito bem que o meu maior sonho é viver do Muay Thai.

—Eu sei, mas e se houver uma outra alternativa? Mais rápida e mais fácil...

—Que outra alternativa?

—Você é bonita.. eu já te disse isso várias vezes. —ele se aproximou, e passou a mão no meu cabelo. — Conheço algumas agências que pagariam alto pra ter uma modelo como você.

—Modelo?

—Exato. É claro que você tem muito mais massa muscular do que qualquer outra modelo, precisaria perder um pouco, mas é questão de tempo e existem alguns trabalhos que não precisa ser tão magrinha pra participar...

—Perder massa muscular? E como eu vou lutar depois?

—A vida é feita de escolhas, Kira.

—E você tá me dizendo pra escolher abandonar o meu sonho?

—Eu falo sobre prioridades, pense no que é mais importante pra você agora, eu só dei uma ideia, não estou te forçando a nada. Você sabe que eu sempre te apoiei no Muay Thai.

—Ok mestre, mas eu prefiro me arriscar seguindo o meu sonho.

—Ok. Se mudar de ideia, fale comigo. —O mestre não parecia tão feliz com minha resposta.  —Desculpa se eu te ofendi, só queria ajudar. Sei que quer trazer sua família pra perto de você.

Assenti com a cabeça. Eu havia contado o meu desejo de trazer minha mãe e meu irmão pra perto de mim o mais rápido possível.

Mas eu jamais abandonaria meu sonho no Muay Thai, eu lutei a minha vida toda por isso.
Mas mesmo assim fui embora refletindo sobre o que ele disse.

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Mais tarde...

Rosa veio se arrumar na minha casa para sairmos juntas com os meninos mais tarde.

—Odeio quando o Juan não diz o lugar onde vamos porque eu nunca sei se devo me arrumar muito, ou não.  —disse enquanto me mostrava um look cheio de brilho e outro sem.

Rosa e Juanito assumiram o namoro há poucos dias, ela estava radiante, e eu feliz por ela.

—Quando você e o Julian vão assumir esse namoro também? —Rosa perguntou.

Ela costuma ser direta.
Eu é que não.

—Ele quer, mas eu ainda não estou preparada pra isso.

—Kira?! De que preparação você precisa? Vocês são praticamente namorados, só não viram um ao outro pelados ainda, mas isso é questão de tempo.

—Rosa!

—Falei alguma mentira?

—Eu sei que praticamente somos um casal, eu gosto mesmo dele, e gosto tanto que não quero magoá-lo.

—Eu não entendo.. de que forma você poderia magoá-lo?

Chegou a hora de falar a verdade.

—Rosa, eu acho que também estou apaixonada pelo mestre Tácio.

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