Thálassa Nasceu

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Marjorie nunca viu o mar tão agitado quanto na noite em que sua filha nasceu. Ela, que sempre teve medo de tempestade estremecia ao sentir vibrarem as ondas. A tempestade enlouquecia as sereias, fazia os tritões se perderem no mais profundo oceano.

Se agarrando entre lençóis, ela gemia súplicas inaudíveis, enquanto o mar parecia acompanhar o compasso de sua respiração errante. Sentia muito medo, tudo ao redor e além de si tremia, tudo era incerto.

Se questionava se no próximo instante ainda haveria, daquele jeito, aquela casa, aquele corpo, aquele mundo.

Mas sua filha nasceu.

Como um suspiro aliviado frente ao caos, que continuava a arranhar a superfície da realidade sem, entretanto, incomodar nem a mãe, nem ao pai, nem a recém nascida ou qualquer um que estivesse ali presente. Como um milagre, o mar agitado se diluía na calma do seu cantozinho de sereia bebê.

Marjorie olhou nos olhos da filha, que a olhou de volta.

- Thálassa será seu nome, porque tem os olhos profundos como todo o oceano.

Thálassa então agarrou o peito da mãe, tinha fome. Marjorie, dividindo os lábios entre beijos e bênçãos, perdeu o medo da tempestade. Thálassa dormiu no meio do bem querer.

Os pais bendiziam a saúde e tranqüilidade da pequena, Martin dizia, a quem quisesse ouvir - que era Thálassa que sussurrando cantigas antigas do fundo dos mares ninava Marjorie, uma orgulhosa porém cansada mãe de primeira viagem.

Durante um mês Thálassa não chorou sequer uma vez.

Nesse momento você talvez esteja se perguntando: E sereias choram?

Sim, todas as pessoas e todas as sereias choram. A diferença está nos olhos: no oceano as lágrimas se misturam com as milhares de águas que tem no mar e não dá pra ver nada além da expressão de choro no rosto das sereias. Mas Thálassa era diferente: ela chorava pérolas.

Uma raríssima condição genética chamada Phaseolus lacrymal - popularmente chamada de lágrimas de Maria que atingia apenas 0,001% das sereias do mundo. Existem poucos estudos publicados sobre.

Sabe-se que é causada por uma composto no fluido lacrimal chamada perolina - esse composto não altera a visão nem o funcionamento dos olhos, mas quando em contato com a água salgada, depois de 0,7 segundos, faz com que a lágrima endureça e ganhe cor, aspecto e até mesmo peso de pérola.

Assim as lágrimas quase instantaneamente viram lindas pérolas barrocas. Era um espetáculo visual, todas aquelas pérolas de variados tamanhos e formas flutuando no mar.

Entretanto, quando Marjorie viu pela primeira vez, algumas poucas pérolas dançando ao redor do corpinho minúsculo de Thálassa, sentiu como se um raio atravessasse seu corpo - sem notar gritou tão alto que a pequena voltou a chorar, assustada. Martin entendeu a situação assim que chegou, e, sem falar uma palavra sequer, acalmou Thálassa que logo voltou a dormiu, pegou todas as pérolas ao seu redor e levou para o quarto do casal - guardando-as num pequeno baú.

Eles conheciam bem aquela condição: Margot - tia de Marjorie - também tinha lágrimas de Maria. Quantos brincos, pulseiras, cordões ela lhe fez quando Marjorie era apenas uma garotinha. Mas o destino foi cruel com Margot, e seus pais tinham medo que uma tragédia semelhante acontecesse a pequena Thálassa.

Marjorie estava atordoada, chorava, dizia coisas sem sentido. Maldizia o passado, a família, as lágrimas, as pérolas. Suplicava a todos os deuses marinhos que curasse a sua filha. Ficou dias sem comer, sem conseguir sequer ficar perto da filha - que ficou aos cuidados de Martin.

Com o tempo, foi aceitando a condição da filha, voltando a cuidar dela. Numa longa conversa com o marido, os dois resolveram guardar a história de Margot a sete chaves, não havia porque traumatizar a filha com uma história assim.

Entretanto, acreditavam verdadeiramente que estava em suas mãos evitar outra tragédia: decidiram-se pelo zelo e precaução - assim, desde que era apenas um bebê diziam para Thálassa esconder aquelas lágrimas e nunca, jamais, chorar na frente de ninguém.

Assim foi a infância de Thálassa, a qualquer sinal de tristeza, qualquer biquinho bobo de choro, seus pais repetiam, como um mantra:

- Engole esse choro menina - dizia o pai com tom sério de correção

- Nunca, em hipótese nenhuma, deixe que ninguém veja você chorar, Thálassa - entoava a mãe como um conselho sagrado.

Sempre que se imaginava chorando na frente de alguém, ela sentia um aperto no peito, um frio na espinha - que estranhamente dava ainda mais vontade de chorar.

Quieta, ela foi se afastando de todos os seus colegas e amigos mais próximos, com medo de que um dia machucasse o cotovelo ou lembrasse um filme triste na frente de algum deles.

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⏰ Dernière mise à jour : Jul 06, 2022 ⏰

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A sereia que chorava pérolasOù les histoires vivent. Découvrez maintenant