os cantos e os encantos.

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Aquela pareceu ser a noite perfeita para eu me perder dentro da floresta que eu conhecia tão bem ─ e não, eu não faço ideia de como isso aconteceu; só sei que algo me desviou dos caminhos tão familiares a mim e me pôs ali no meio de uma estrada de barro desconhecida, carregando nas minhas mãos suadas apenas uma cesta de frutos frescos e, na minha cabeça, o desejo de encontrar qualquer coisa que pudesse me tirar daquela aflição, porque, apesar de eu não ter motivos para voltar à minha vida pacata e sem graça feito os tocos enraizados das árvores cujos troncos já foram derrubados, estar sozinha e vulnerável no meio do nada não era nem um pouco agradável mesmo para quem passasse por isso todos os dias de forma quase literal.

A luz perolada da lua cheia iluminava as copas das árvores e atraía o uivo dos lobos, este tão perto a ponto de eu transferir toda a minha energia restante para os meus pés e correr sem nem me importar com a possibilidade de alguma fruta cair no chão ou com o barulho das folhas secas e dos galhos se contorcendo sob as solas das minhas botas; na verdade, eu sabia que o meu desespero me denunciaria para alguma matilha faminta e outras criaturas da região, porém, naquele momento, eu só queria achar um refúgio, desejo este que se intensificava de maneira proporcional aos passos rápidos e aos rosnados ferozes ao meu redor, tão próximos e tão distantes ao mesmo tempo, na intenção de lembrar-me de que era melhor ficar desacompanhada por completo ao invés de estar à mercê de seres que me devorariam ao menor tropeço numa das rochas discretamente espalhadas pelo chão.

Meu coração batia numa velocidade inimaginável e eu tentava enxergar algo por entre as folhas enquanto ainda corria, mas não via nada exceto borrões escuros até chegar à beira da floresta, num lugar onde os barulhos pareceram cessar: eu estava diante de um penhasco, o qual proporcionava uma bela vista das árvores robustas e do céu noturno cheio de estrelas; no entanto, o que capturou a minha atenção foi o castelo no topo da colina e aquele se tornou meu novo destino, para o qual me direcionei com a pressa de um animal querendo se salvar de um grande predador ─ afinal, eu me tornava aquilo a cada grunhido selvagem que fazia meus pelos arrepiarem ao atingir meus ouvidos, porém o caminho foi menos conturbado do que eu esperava e o silêncio da matilha me fez constatar que ela certamente conseguiu se alimentar e, portanto, eu estaria em paz durante pelo menos alguns minutos, usados por mim para respirar fundo e buscar me acalmar enquanto andava com cautela até o muro de tijolos que cercava a edificação.

A grade alta e enferrujada estava presa por um cadeado e envolta por uma corrente longa, impedindo que qualquer um entrasse ali. Depois de muito chamar por alguém para abrir aquele portão e não obter resposta, tive mais certeza de que aquele lugar estava abandonado há um bom tempo, mas eu não tinha onde ficar e, entre lidar com poeira e ratos ou fugir de animais ágeis e famintos a noite toda, eu estava mais habituada à primeira opção; assim, desenrolei a corrente e, ao tocar o cadeado com minhas mãos hesitantes e pouco esperançosas, me surpreendi por vê-lo soltar magicamente e cair sobre a grama. Apesar de achar que estava começando a alucinar, empurrei os portões devagar, adentrei o terreno e apenas devolvi a corrente para onde estava antes, pois, se eu precisasse sair dali, não poderia confiar na possibilidade de o cadeado não me prender de vez. Para a minha felicidade e desconfiança, a porta do castelo não fora trancada e me permitiu atingir o hall do palácio, que, mesmo sendo escuro e cheio de teias de aranha, era chique e nobre, cuja atmosfera sombria era reforçada pelas chamas trêmulas das velas espalhadas pelo ambiente, as quais contrastavam com o breu dos corredores laterais.

Curiosa e sem ter algo para fazer naquele cômodo, agarrei um candelabro e decidi subir os degraus da escada larga e bifurcada em frente à entrada, deparando-me com um salão imenso e opulente, rodeado de pequenas rosáceas e janelas verticais compridas; o chão estava limpo a ponto de brilhar e o teto era composto por um majestoso vitral representando o céu noturno, com estrelas pequenas, grandes e até mesmo a lua retratadas em figuras coloridas e traços precisos, tais quais as iluminuras dos livros. Todavia, tamanha beleza não inibiu meus olhos de verem, defronte à escadaria, uma sacada esculpida em pedra clara, na qual estava uma mulher de cabelos negros que iam até sua cintura. Suas costas estavam voltadas para mim e eu tentei não produzir nenhum tipo de ruído, mas os sentidos da moça foram mais espertos que eu e ela virou a cabeça na minha direção vagarosamente, como se quisesse me dar tempo para fugir ou me esconder ─ e eu, confusa, não tomei nenhuma dessas atitudes, apenas ficando onde eu estava e devolvendo o olhar inexpressivo que a desconhecida me lançou.

━━ VAMPIRA. loonaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora