Madrugada & Peixe

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Evangeline sentia-se ansiosa. Mesmo obtendo a consciência de quê seus estágios e estudos só iriam se iniciar na próxima semana, sentia-se pressionada e agitada, um distúrbio de emoções. Aquilo não a deixava dormir de forma alguma, era como se tivesse tido uma longa soneca matutina e ficando completamente acessa na madrugada de quarta-feira. Tirou esse tempo livre e tedioso para terminar de organizar coisas que ainda estavam nas caixas da mudança, alguns quadros, enfeites e livros de algumas sagas que gostava.

Era meados quatro da manhã e a outra resolveu fazer um chá, imaginando que aquilo talvez lhe acalmaria e até lhe trouxesse um pouco de sono. O silêncio ensurdecedor da noite fora interrompido por fortes batidas em sua porta, acompanhadas de sua campainha tocando loucamente. Miller deixou sua colher cair no chão com o susto tomado e sua mão pousou-se sobre seu peito, estava com medo. Quem poderia ser a essa hora? Evangeline andou com passos leves até perto de sua vassoura, segurando fortemente o cabo de madeira e a escondendo atrás de seu corpo. Caminhou para perto da porta e observou pelo olho mágico, seus olhos se arregalaram e em poucos segundos a porta estava aberta. Era seu vizinho.

A presença do álcool foi algo que invadiu suas narinas com facilidade, o rapaz tinha os cabelos desorientados e seus lábios tinha resquícios de um batom vermelho. Evangeline engoliu seco.

- Moça.. você pode me ajudar? Acho que meu peixinho está morrendo. - ele tinha um olhar entristecido e desesperado.

Era evidente o quão fora de si o homem estava. - Grant.. você está bêbado? - a garota perguntou com certo receio.

- Não.. quer dizer, sim, um pouco.. - ele respondeu e ficou visível o quão envergonhado estava.

- Você provavelmente está alucinando, Grant. Volte para sua casa e tente repousar por um tempo. - Evangeline estava prestes a fechar a porta quando a mão do mesmo segurou-a, impedindo a porta de continuar seu trajeto. Os seus olhos dilatados foram de encontro aos caramelos de Miller, a escuridão do apartamento da garota se misturava com a do corredor, envolvendo os dois em um curto transe que durou segundos.

- Eu preciso da sua ajuda.. - ele sussurrou com a voz trêmula. - Por favor.

Um suspiro pesado esvairou pelas narinas de Evangeline que apenas concordou com calma, um pouco incerta de sua decisão. - Você têm condições de o trazer aqui?

Steven afastou-se aos poucos da garota. - Sim.. - ele disse. - Eu vou busca-lo. - O moreno apontou timidamente para seu apartamento e passou a caminhar para lá com passos longos.

Miller xingou-se mentalmente e franziu o cenho com uma certa indignação consigo mesma. Você é muito burra, Evangeline! Ele está evidentemente bêbado e você simplesmente aceita o ajudar? Com essa simples facilidade? E se ele fazer algo? Cler disse-me que ele era estranho.. ela pode estar certa! A garota bufou e encostou a porta enquanto o outro não aparecia, retornou sua atenção em seu chá e passou metade do seu curto tempo sozinha criando mil e uma teorias.

Quando terminou de lhe servir o chá em sua caneca, a imagem do homem com um saquinho plástico quase transbordando de água e, um peixe dourado dentro, apareceu em sua visão entre a pequena fresta aberta deixada na porta principal. Ela caminhou até a mesma e pediu para que ele entrasse, fechando a porta atrás de si. - Olha, eu sei quê.. pode parecer estranho eu aparecer aqui do nada, lhe enchendo o saco por conta de um peixe, mas.. - seus olhos se encontraram novamente e ele desviou no mesmo instante. - ..eu realmente não sei o quê fazer. - o outro tinha o saco em frente ao seu rosto, observando o pequeno animal que nem se quer mexia suas barbatanas direito.

- Eu tenho certeza que ele vai ficar bem.. só tenta se acalmar um pouco. — Miller tentou passar um pouco de segurança ao homem e o ajudou sentar-se em seu sofá. Pegou com delicadeza o saco plástico e observou o animal, logo identificando que o tal era um macho da raça kinguio. O levou até a sua bancada da cozinha onde tinha um local vazio, pegando um pote transparente para transferir o animal para aquele espaço mais amplo à sua visão. Evangeline tratou de adquirir aquele silêncio para poder observar o comportamento que o animal executava, que na real eram pouquíssimas às vezes.

A garota após alguns minutos já tinha chegado em uma conclusão e virou seu crânio em direção a sala de estar, pretendendo contar sua opinião sobre o quê o animal estava passando no momento, porém acabou obtendo a imagem de um Steven cochilando sentado, com sua cabeça tombada ao lado. Imagina se alguém me vê com um bêbado dentro de casa? Ainda mais tirando um cochilo no meu sofá. A morena reprimiu os lábios e suspirou pesadamente, onde a sua caridade chegaria a levá-la?

Sem paciência com seus pensamentos paranóicos a moça caminhou até o tronco adormecido de Steven e o cutucou. Podendo ver as suas pálpebras se abrirem um pouco atordoado. — Grant, o seu peixe está bem. Ele não vai morrer, mas pelo visto você está quase morrendo de sono. Deveria ir para sua casa e descansar. — ela tinha em mãos o peixinho dourado retornado em seu saco plástico. — Ele provavelmente está doente, pode ter pego doenças como ictio, problemas com a bexiga natatória, estresse.. mas pode ser até mesmo um comportamento normal dessa espécie, por isso precisa o levar em algum veterinário.

O rapaz tinha suas orbes grudadas na Evangeline enquanto tentava guardar as informações obtidas por tal, rapidamente levantou-se do sofá amarelo e concordou com a cabeça. — Muito obrigado. — ele agradeceu como um sussurro e pegou de volta o peixe dourado. — E me desculpe mais uma vez.., pelo peixe, pelas batidas na porta.. ou até o cochilo que tirei aqui, aí meu Deus! Eu lhe causei uma má impressão. — Steven tinha suas maçãs super marcadas pelo o tom vermelho e sua respiração pesou.

Evangeline soltou um sorriso tímido, um pouco desconcertado. — Não precisa se preocupar, Grant. De verdade.

— Eu irei lhe recompensar algum dia, eu prometo. — Steven disse. — Você não sabe o quanto me ajudou. — seus olhos passearam por todos os pontos da face de Evangeline e logo mudou-os para o chão amadeirado. — Eu vou indo.. — O rapaz fora até a porta e em meros segundos se despediu da garota, Miller o seguiu até a entrada e observou o outro adentrar seu cômodo ao lado. Em um dia aconteceu tanta coisa. Evangeline pensou e não deixou de estampar sua feição com um sorriso. Uma vizinha fofoqueira, um bêbado e um peixe. Realmente não é tão ruim quanto eu pensei.

Apartamento 503 | STEVEN GRANTWhere stories live. Discover now