Seis mundos: Vinganças e retaliações (Parte 2)

Capítulo Um

Khione

Seis meses, é o tempo que se passou desde o último ataque, desde que vencemos o exército de Psyche, desde que a paz voltou a reinar e também desde a morte delas.

— Raio de sol você precisa comer algo, seu corpo não pode ficar tanto tempo sem alimento. — Mykal insiste pela milésima vez com uma bandeja repleta das coisas que mais gosto.

— Estou sem fome. — Digo sem olhá-la pois meus olhos estão concentrados na tela do Sys.

— Khione...

— Tudo bem. — Falo cedendo.

— Não acha que está se esforçando demais para achar uma coisa que talvez nem exista?

— Você não estava lá, não viu as lágrimas no rosto dela, não sentiu a dor de a ouvir pedindo para que cuidasse de nossa filha, não a escutou dizer para amar você como nunca a amei. Você não presenciou nada disso, então por favor não me diga que estou me esforçando demais pois estou fazendo o mínimo por ela. — Lhe dirijo as palavras rispidamente e me arrependo quase que em seguida. — Me desculpe, eu não deveria descontar isso em você, aliás, a culpa de noventa e nove porcento dos nossos problemas é minha. — Coloco o rosto entre as coxas em forma de vergonha. — Estou desesperada e não sei o que fazer, isso não faz bem para minha mente e consequentemente me deixa com um certo humor ácido.

— Ei, está tudo bem, entendo o que está passando. Podia até não amar Lys como esposa, mas mesmo assim ainda sentia um afeto e carinho grande por ela, a híbrida seria mãe da sua filha, faz total sentido estar assim.

— Faz. — Suspiro profundamente. O peso da culpa que carrego em meus ombros está prestes a me derrubar. Tudo o que perdemos, não somente eu, mas todos que estão comigo. Kastian perdeu sua irmã e seu reino, os moradores de Elphia perderam seu lar, os de Niran sua rainha e Faleias alguns de seus entes queridos. Preciso restitui-los de tudo o que perderam, e essa é a única forma.

— Acha mesmo que é possível trazer místicos de volta a vida? — Pergunta genuinamente interessada.

— Segundo Áster alguém da nossa linha de ancestrais já realizou esse feitiço. Não é algo seguro, como se era de esperar, e para trazer uma alma de volta precisa-se entregar outra, o que está fora de cogitação. Então acho que posso desistir dessa ideia. — Desligo o Sys e me jogo na cama atrás de mim.

— Seus pesadelos foram embora? — Sei que ela está preocupada comigo, mais do que o normal, não tiro sua razão pois desde a morte de Lyssa não tenho estado bem. Não como direito, não durmo, há dias que não vejo a luz do sol, fico somente aqui neste porão que chamo de laboratório e casualmente de lar.

— Sim, o último foi a uma semana. — Minto.

— Não posso ler mentes, mas sei quando está mentindo para mim. — Fala acariciando meu rosto com o polegar.

— Não. — Respondo verdadeiramente dessa vez encostando minha cabeça em seu peito.

— Está uma noite linda, o que acha de sair um pouco? — Se arrisca a perguntar mesmo já sabendo minha resposta.

— Acho que ainda não estou pronta para voltar a superfície.

— Khione uma hora ou outra você vai precisar sair desse esconderijo que arrumou para fugir da realidade. Eu sei que as coisas não estão boas e muito menos da forma como planejamos um dia, mas é o que estamos vivendo e você precisa encarar isso e seguir em frente. Caso contrário vai ficar estagnada e se remoendo o resto de seus dias, que ainda nem estão perto do fim. — Toma coragem por fim para falar, e admiro a quantidade de tempo em que ela conseguiu apenas ficar calada fazendo minhas vontades e me apoiando.

— Está certa. — Concordo olhando para ela. — E pode ter total certeza que eu adoraria sair e fingir que nada disso aconteceu, fingir que minha vida nunca esteve tão normal, mas infelizmente não consigo fazer isso. Sabe o que é ter o peso de tantas mortes e desastres em suas costas?

— Sei, e caso não se lembre não foi somente você que perdeu algo com tudo isso. — Fala com um tom triste e percebo que estou sendo um tanto quanto egoísta nessa situação.

— Sei que já se passaram seis meses desde o último episódio catastrófico, e que desde então não saio daqui. Meu medo é que no momento em que eu decidir colocar meus pés novamente lá em cima, alguma coisa de ruim aconteça novamente com as pessoas que amo. — Algumas lágrimas rolam por meu rosto e vejo Mykal se aproximar um pouco mais.

— Entendo que esteja com medo raio de sol, mas se você ficar pensando nisso, nunca mais vai viver.

— Só tenho medo Mykal, medo de tudo isso. Sei que sempre tentei me manter forte e inabalável, mas por dentro, em meu íntimo o medo me consumia. A cada batalha que lutamos, a cada passo que dei para trazer Áster de volta a terra, a cada dia que vi minha irmã desacordada naquele coma terrível, a cada dia que passei pensando em como havia perdido o amor da minha vida e como estava enganado uma mulher que não merecia aquilo. Sempre, sempre estive com medo.

— Mas mesmo assim sempre continuou em frente, seu medo nunca lhe impediu de continuar, por que agora vai ser diferente?

— Eu já perdi quase tudo Mykal, só me restam duas coisas  agora, coisas que não posso perder de forma alguma, se continuar como sempre fiz, temo que possa concretizar o que mais tenho medo que aconteça.

— E o que seria isso? — Pergunta intrigada.

— Você e Estella. — Digo.

— Não vai nos perder. — Ela afirma.

— Você não pode dizer com certeza.

— De fato, não posso, mas posso garantir que estaremos ao seu lado a cada momento de nossa vida. — Ela estende as mãos e vira minha cabeça para que possa olhar fixamente em seus olhos. — Eu vou estar com você a todo momento, como sempre estive, mesmo de longe, porém agora perto,  pode ter medo dos mundos e do irá ocorrer neles, mas tenha certeza de uma coisa, eu nunca, em hipótese alguma deixarei que algo de ruim ocorra com você ou com quem você ama novamente, lhe dou minha palavra. — Faz uma pausa, seus olhos aparentam um certo nervosismo e seus lábios balbuciam antes de que o som finalmente saia. — Eu te amo Khione. — Diz por fim. E ali, mesmo com todos os traumas recentes, mesmo com tudo, me sinto genuinamente segura outra vez.

— Eu te amo Mykal. — Deito e adormeço em seu colo, um sono profundo e tão calmo, de uma forma que nunca experimentei antes.