Dentre os defeitos mais comuns entre os escritores iniciantes, a necessidade de apresentar personagens é o mais comum e um dos mais perigosos. Confira esta DICA DE ESCRITOR e veja por que evitar fazer isso em sua história.
Um dos maiores problemas que vejo em histórias do Wattpad é o hábito de dedicar um capítulo inteiro a desenhar (para não dizer "jogar no seu rosto") os personagens principais e seus traços psicológicos. Isso é mais um clichê presente na maioria das histórias de romance no site, porém esse em específico me incomoda tanto como leitor quanto como escritor. A apresentação de um livro é feita com o intuito de dar ao leitor uma ideia da experiência que terá no decorrer da leitura, portanto deve ser cativante, bem escrita e natural. O que se vê, entretanto, são longas linhas contando quem são as personagens principais, como elas pensam e agem, e, fotos que não são propriedade do autor (em uma fantasia que li, os personagens tinham as caras de Camila Mendes e Jason Momoa) para criar imagens nem um pouco originais ou criativas. O que eu sinto quando vejo esse tipo de coisa é que o autor gastou uma parte preciosa de seu tempo e talento para a construção de algo completamente irrelevante e até perigoso para a própria obra.
Eu, como escritor, entendo o desejo de me fazer entender, porém, com sucessivos trabalhos e leituras, percebi que a confusão é um artifício muito melhor para explorar, pois incentiva o leitor a construir e desvendar o quebra-cabeça da história - nisso também inclui descobrir quem são os personagens por dentro, conhecê-los como pessoas e ser surpreendido por suas ações; apresentá-los detalhadamente antes da ação começar tira tudo isso. Parece que se está entregando uma ficha descritiva ao leitor contendo tudo o que ele deve esperar acontecer, mas desse jeito não há surpresa e a experiência se perde por não desenvolver de forma profunda as características dos protagonistas.
Vejamos como exemplo a apresentação do livro "Anna Kariênina", de Liev Tolstói. O livro em si contém dezenas de personagens e cada um deles tem suas múltiplas camadas psicológicas; se ao invés de colocá-los aos poucos e em momentos bem pontuados (o que deixa a narrativa mais dinâmica), Tolstói decidisse fazer um capítulo contando quem eles são, esse capítulo certamente teria mais de 100 páginas e ninguém passaria das vinte primeiras. Ao contrário, o que o autor faz é começar a história literalmente no meio da confusão:
"Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.
Tudo era confusão na casa dos Oblónski. A esposa ficara sabendo que o marido mantinha um caso com a ex-governanta francesa e lhe comunicara que não podia viver com ele sob o mesmo teto."
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Keira Knightley em Anna Karenina (2012)
Se você ficou com vontade de saber como isso vai terminar, a apresentação cumpriu seu papel. O leitor não precisa saber quem é Stiepan Oblónski, Anna Kariênina, Liévin, Vrónski ou até Natália Cherbátskaia para ler o livro (a própria personagem-título não aparece antes do capítulo XVIII da parte 1), conhecê-los no mesmo ritmo em que o enredo se desenrola faz parte do prazer da experiência.
