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love taylor
mar/15, 3pm

Chamar o estranho/deus grego, que eu acabei de descobrir o nome, para me acompanhar na criação de uma música foi... ousado e surpreendente da minha parte. Eu não faço isso, nunca tive ninguém comigo enquanto fazia – literalmente – música.

Meu horário na sala de música é das três às quatro da tarde, e pretendo aproveitar o máximo possível. Tenho que entregar uma demo de uma música autoral em três dias, e já passei outros três apenas pensando e criando letra, melodia e instrumental.

É uma sala grande, com muitos instrumentos espalhados por ela, mas a parte que me interessa é a pequena cabine no canto, com isolamento acústico, onde eu costumo gravar a minha voz. Depois de anos procurando um canto vazio na minha casa, encontrar essa cabine aqui foi tipo um alívio cômico.

Vinnie se senta em um banquinho ao meu lado enquanto eu conecto meu celular ao painel de som, e sigo na base da música. Acabei tirando o piano do começo e deixei apenas um solo rápido de guitarra e um baixo combinado com batidas isoladas depois. Cantando a letra na minha cabeça, sei quando diminuir os instrumentos e dar um fim abrangente, então me levanto em um pulo.

─ Você não sabe como é bom ter alguém aqui. Normalmente, eu preciso arrumar as coisas e correr para a cabine a tempo de começar a cantar. ─ eu digo, fazendo os últimos ajustes no painel.

─ As suas amigas, aquelas na cafeteria, não estudam música também? ─ ele questiona e eu dou risada.

─ Definitivamente não. Emma, a loira, estuda arquitetura, Steph, a morena, estuda direito e a ruiva, Lola, pedagogia. Somos um grupo beem aleatório, mas funciona. ─ sorrio largo.

─ Como vocês se conheceram? ─ mordo os cantos da bochecha e coloco o celular na mesa.

─ Adoraria conversar mais, mas só tenho trinta e cinco minutos para gravar um vocal perfeito. Você pode apertar o play quando eu entrar na cabine? ─ Vinnie faz que sim com a cabeça. ─ Aperta o botão verde ao lado também, é o que liga o microfone.

Sem mais conversa, corro para a cabine, vendo Vinnie apertar o play e depois o botão de gravação do microfone. Ele me mostra um joinha com um sorriso, que vejo pelo acrílico da porta, e devolvo o sorriso.

Quando a hora chega, a letra da música se derrama pela minha língua facilmente. Música sempre foi o meu sonho. Minha mãe tem uma foto onde ela segura um headset na barriga quando estava grávida de mim; acho que o amor pela música começou ali.

Mas nem tudo é um mar de rosas. Me embaralho na letra mais de três vezes, e tropeço para fora da cabine com raiva.

Me sento de volta no banco, colocando a cabeça entre as mãos depois de ver que me restam quinze minutos.

─ Ei. ─ a voz de Vinnie sai suavemente, me lembrando de sua presença. ─ Não precisa se frustrar. Ninguém nunca te disse que a pressa é inimiga da perfeição?

Acabo rindo um pouquinho, ainda escondendo o rosto.

─ Escuta, Love. Sua voz é... maravilhosa. A letra, até onde pude ouvir e entender, é emocionante e sensível, assim como você se parece. ─ minhas sobrancelhas se erguem, mas ele não vê. ─ Ainda temos quinze minutos, o que eu posso fazer para ajudar?

Preciso de um sermão de Lola agora. De Emma e Steph também. Porque se eu não voltar para a realidade, vou me apaixonar por esse homem ainda mais rápido do que eu pensei que fosse. E só sei o nome dele por quase uma hora, agora.

Paro e penso um pouco. Ele está certo, apressar as coisas não vai melhorar em nada. Mas, em contrapartida, eu conseguia fazer isso muito mais rápido e fácil quando estava sozinha.

─ Talvez... você me deixa nervosa. ─ admito, e ele parece surpreso. ─ Não você, particularmente. Acho que estou tão acostumada a cantar sozinha que, quando tenho companhia nova, fico nervosa.

─ Não quero te deixar mais nervosa, Love, mas você já se imaginou cantando para uma multidão daqui uns anos, quando for a nova princesa do pop? ─ reconheço a provocação e dou risada, mas ela acaba em um barulho de desespero.

Não, eu nunca me imaginei.

Acho que Vinnie percebe o terror no meu rosto, porque toda a diversão no dele morre e ele se levanta, apenas para se abaixar na minha frente.

─ Cacete, só piorei as coisas. Olha, deixa isso pra depois, ok? Você não precisa cantar na frente de ninguém se não quiser. Eu saio, inclusive. Isso ajuda?

Tecnicamente, deveria ajudar. Mas não quero que ele vá. Gosto da companhia dele – alguém chame a Lola agora!

─ Não, não precisa ir. ─ suspiro e olho no relógio. Dez minutos até as quatro da tarde.

Me levanto, Vinnie fazendo o mesmo, e ele sorri quando eu suspiro uma golfada de coragem e determinação. Volto para a cabine, coloco os fones e... fecho os olhos.

Quando ele aperta o play na base da música, eu isolo meus sentidos e canto. Aperto os fones na minha cabeça e forço meus olhos ainda mais fechados, a letra da música escapando da minha boca suavemente como se soubessem o caminho desde o começo.

Os dois minutos e cinquenta e três segundos acabam, e não travei nem uma vez.

Tiro os fones e abro os olhos, mas não olho pelo acrílico ainda. Penduro os fones no microfone e, com um último suspiro, eu saio da cabine.

Vinnie está em pé, sorrindo largo com uma expressão de orgulho que não deveria estar no rosto de alguém que eu só sei o nome.

─ Você conseguiu! ─ ele diz, e não consigo conter meu sorriso. Nos sentamos no banco e eu toco a música completa, com a base e a letra encaixadas. ─ Isso é para um trabalho, não é? Se você não tirar dez, vou precisar pedir um exame psiquiátrico ao seu professor ou professora. Sua voz não vale menos que um dez, Love.

É a primeira pessoa que elogia a minha voz, fora do meu círculo de amigas – e família. Eu sinto como se pudesse cair no choro aqui mesmo.

─ Obrigada. ─ eu digo, meio chorosa. ─ Se eu receber menos que um oito, minha decepção vai toda nas suas costas.

Vinnie ri, ajustando os bancos de volta para onde estavam quando entramos.

─ Eu estava determinado a não falar nada, mas eu preciso ter certeza de que não tem problema. ─ ele começa, e eu franzo a testa, meio confusa. ─ Eu gravei a música no meu celular, pra ouvir quando quiser. Mas vou apagar se você quiser.

Não posso evitar que meu queixo caia um pouquinho, e ele ri, usando a ponta do dedo indicador para levantar de volta ao lugar.

─ Você quer ouvir a minha música? ─ eu pergunto, como se não tivesse escutado direito o que ele disse.

─ Eu quero. Mais três ou quatro vezes, e vai ser a minha nova música favorita. Fique orgulhosa, Love, porque desbancar After Night exige uma quantidade de talento absurda. ─ solto uma gargalhada.

Balanço a cabeça, ainda um pouco desacreditada. Me alimentei de muitos clichês na adolescência, e não posso evitar pensar que deve ter algo de muito errado com esse homem. Nos livros, quando um cara é muito gentil com a garota do nada, normalmente há uma motivação repulsiva por trás.

─ Você tá encarando, e eu não sei se é de um jeito bom ou ruim. ─ ele murmura.

Preciso mesmo daquele sermão.

─ Pode ficar com a música. ─ eu digo, voltando a sorrir e esperando muito que não haja nada de nojento acontecendo pelas minhas costas agora.

Vinnie sorri largo, balançando a cabeça. Ele me ajuda a organizar o painel de controle e depois saímos da sala de música. Percebo que vamos em direções diferentes daqui.

─ Te vejo amanhã na cafeteria? ─ ele pergunta, ainda sorrindo.

─ Claro. ─ eu respondo, sorrindo ainda mais.

Recebi aquele sermão na carona de volta para casa. Só não tenho certeza se funcionou.

enchantedWhere stories live. Discover now