A muralha diante de mim era uma estrutura colossal, composta de cristais de gelo translúcido, cuja altura desafia a própria noção de escala. A medida que comecei a avançar, percebi que tudo ficava mais distante e frio; era o território dos feéricos, onde minha alma parecia desafiar a vida. Tomei fôlego, esquecendo as palavras de conforto que eu poderia ofeecer para as crianças que estavam assustadas; eu também estava assustada.

Com o coração na mão, atravessamos a fenda mágica da muralha.

××××

Algo se ampliou dentro de mim, os cheiros e os sons, a própria vida. Tudo parecia novo e desconhecido, desde o clima suave e sem neve, até o calor do sol e o toque aconchegante da flora. As cores eram diversas e intensas, como se do outro lado não tivesse um mundo humano, cheio de neve e miséria, sem vida, sem cor, sem qualquer noção do que existia desse lado. Magnifico, eu concluí, a paz que se alojou na minha cabeça, a calmaria que balançou e aqueceu meu corpo.

Algo vibrou dentro de mim. Tudo estava tranquilo demais.

Um súbito arrepio subiu por minha coluna quando ouvi rosnados baixos e bruscos ao redor, me rondando sob a grama alta, lentamente soltei as redeas e na mesma velocidade peguei a espada, ordenando silêncio para o olhar alarmado de Greta e Gregory. O quão tola eu fui por traze-los?

— Se algo acontecer ordeno que retornem pela fenda e procurem minha família — ordenei.

A espada firme em minhas mãos, mantive a respiração baixa e calma, mesmo que tudo em mim implorasse para tremer.

— Mas...

— Estou ordenando! — Gritei e levantei a espada.

O suficiente, meu grito foi o urro de alarme para o ataque vir. Eu desviei de primeira, deslizando os pés sobre o chão barroso quando me deitei na grama, mantendo a firmeza em todos os músculos. Silêncio.

Não existia nada além de Deimos relinchando, nada além do choro das crianças, nada além do canto dos pássaros, o vento, a magia.

Virei de barriga para cima quando um corpo grande se elevou sobre mim, minha espada chiou contra as grandes fileiras de dentes afiados, que pareciam sedentos por sangue. Com minha perna boa, eu o chutei, aquela criatura gritou, o som  aterrorizador encheu minha cabeça de dor, mas não parei, não podia, ainda não. Urreu quando garras profundas cravaram na carne do meu braço, grunhindo ao tirar a espada daqueles dentes escurecidos e cortando uma das patas fora, ele cambaleou para trás e só então eu pude o ver com clareza.

O corpo era grande como o de um urso, a cabeça tinha a semelhança com algo parecido a de um leão, e os dentes... Três fileiras enormes de dentes pequenos e afiados, mortíferos e mortais. Um martax.

O martax pulou sobre mim de novo, sangue e terra em ambos, seu rugido tremeu meus tímpanos e o bater dos seus dentes fez algo dentro do meu âmago se revirar, ele estava perto... Tão perto, e eu estava furiosa. Puxei o punhal das fivelas que se prendiam a minha coxa, empurrando para o peito eu o golpeei, uma vez, duas vezes, até três; até que sangue expelisse pela boca horrenda e caísse sobre meu rosto, em uma mistura horrível e nojenta de saliva e sangue viscoso, eu não sabia se estava gritando quando rastejei para fora daquele peso, arrastando meu corpo no chão. Me apoiei naquele imenso corpo morto.

— Gregory! — Chamei, meu grito falhando no ar — Greta!

Feyre um dia foi levada por minha fraqueza e agora, as crianças estavam em risco por minha falta de atenção.

Segurei o braço sangrento e machucado, respirando fundo enquanto sentia o calor me dominando por inteira, minha visão estava turva quando comecei a andar na direção do borrão preto, abracei o pescoço de Deimos e minhas mãos trêmulas foram acolhidas pelo calor de duas crianças. Lentamente pisquei, focando a visão; eu não havia os olhado desde o momento em que atravessamos, não havia dirigido um único olhar. Minha boca se abriu em choque.

— Vocês são feéricos — murmurei.

Eles choravam e se agarravam um ao outro, tremendo sob meus olhos, fui para o lado e puxei as mãos pequenas em um aperto.

— Vocês estão bem? — Perguntei os examinando. — Estão machucados?

Eles não responderam enquanto ainda soluçavam baixo, se agarrando ao meu braço como uma ponte que estavam prestes a cair.

— Me respondam!

Eles negaram em palavras trêmulas, quando puxaram as mãos e colocaram sobre sobre as orelhas, tentando esconder o que eram. No profundo, algo se partiu dentro de mim, meu peito se enchia de angústia ao vê-los assim; uma lágrima escorreu quando tomei a decisão.

Subi em Deimos, segurando as redeas com as mãos imundas e manchadas por vermelho.

— Parem de chorar, estamos indo para casa.

Ele correu, deixando outro corpo para trás. Pela primeira vez eu desistia de uma promessa, mas nunca desistiria da minha irmã.

Eu voltaria... Eu voltaria.

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⏰ Last updated: Jun 17, 2023 ⏰

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A Quarta Archeron | ᵃᶻʳⁱᵉˡWhere stories live. Discover now