Capítulo 2: "Waze não tá funcionando"

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— Cara, olha só pra isso! — exclamava Álvaro, sem um destinatário específico no carro. — Olha só pra isso!!!

A empolgação tinha começado desde o instante em que o carro virou à direita, saindo da grande avenida em direção a uma rua bem menor. O ambiente se tornava subitamente outro. Saíam os altos prédios comerciais, muitos recobertos de vidros do topo ao chão, o que Lopes sempre entendeu como o ápice da modernidade da arquitetura paulistana; apareciam as árvores, as vias de mão dupla, e, especialmente, as casas.

— Jardins: o bairro das mansões enormes! — anunciou o empreendedor, apontando para qualquer uma das propriedades colossais pelas quais passavam, sem gerar grande entusiasmo alheio.

— Eu diria bairro dos muros enormes — propôs, desgostosa, Daniele, sem saber ao certo porque respondia a qualquer coisa que o outro passageiro dizia. — Inacreditável, isso.

Ela também estava certa. O que se sabia das moradias era só o tamanho. Os muros, altos e quase infinitos, aderidos uns nos outros, cercavam seus ambientes individuais, como pequenos mundos escondidos. Dava para imaginar como seria a casa, pela arquitetura de fora, mas não muito mais do que isso.

— Eu diria que é o bairro da pouca iluminação pública. — Lopes entrou na conversa, jocoso. — E eu achando que os ricaços pensassem que mais postes nas ruas resolviam qualquer problema social.

Tanto Daniele quanto Álvaro riram e os dois perceberam como foram sincrônicos. O garoto ficou satisfeito, até ofereceu um sorriso a ela; a garota fechou a cara e tornou a olhar para o celular.

Pouco foi dito, dali em diante.

O carro de Lopes, o HB20 prateado que tanto lhe orgulhava, ia ziguezagueando pelas ruas estreitas do bairro nobre, iluminando com seus faróis de xenon os ambientes que antes estavam na escuridão. Batiam nos muros imensos e voltavam, vez ou outra ofuscando o motorista, com o reflexo nos vidros à prova de bala. Virava uma esquerda, entrava numa rua mais curva, desembocava numa pequena rotatória e lá iam de novo.

Lopes olhou o tempo de previsão para o destino. Oito minutos. Oito minutos dentro do Jardins? estranhou por poucos segundos. Nem se tocou onde ficava a rua Andorra, pelo nome. Estava cansado e começava a sentir os olhos pesando. Melhor parar depois daqui. Não posso me arriscar.

Daniele continuava no celular. Agora, falava no Whats com sua colega de trabalho. Contava-lhe das aulas do dia, de como tinham sido úteis, quantas ideias tinha tido para o hospital onde trabalhavam. Não acredito que ela não vai entrar nessa comigo... dizia a si mesma, vendo as respostas evasivas. Desistiu da conversa e voltou a fuçar o que os outros gostavam de compartilhar de suas próprias vidas, no Instagram. Viu a foto nova de Miguelzinho e seu corpo sem camisa, e cobrou mais uma vez de si mesma que respondesse às mensagens que ele mandava com tanta insistência.

Álvaro também tinha pegado o celular, mesmo preferindo conversar e contar da sua experiência positiva no CarnaBar. Como ele tinha convencido o gerente a manter seus serviços com regularidade, mostrando a gorjeta de uma mesa que ele tinha ajudado a servir. Ele estava feliz, e isso vinha de um raro sucesso; a verdade era que, desde que tentou vender roupas temáticas para gatos, nenhuma das suas empreitadas tinha sido tão rentável. Portanto, estava preparando uma postagem para as redes sociais. Escolhia uma das dezenas de fotos da noite, para servir de pano de fundo para o texto já decidido: "CarnaBar agora está Garçonized!". Ficou tão satisfeito com o resultado, mas tão satisfeito, que não se conteve.

— O que achou? — perguntou, mostrando o celular para uma surpresa Daniele.

Ela olhou o aparelho com uma cara de nojo. Como se ele mostrasse a foto de algum monstro horrível, ou uma barata. Não conseguiu, nos poucos segundos que olhou, decidir qual era o pior nome, entre CarnaBar e Garçonize. Quando viu que era mesmo esperado uma resposta, deu um sorriso amarelo e acenou com a cabeça, num gesto curto que a levou de volta para o próprio celular.

JardinsWhere stories live. Discover now