12. A CARONA

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— E TU RESPONDEU O QUÊ?

Tássia encarou Fernando com ar de cansaço.

— Pelo sim, pelo não, eu prometi pensar no assunto. Eu ia responder mais o quê?

— Bom, sejamos sensatos que terminar nunca foi uma decisão que tu tomou com certeza absoluta, né, Tássia?

Ela assentiu.

— A conversa que eu tive com ele ontem me deixou com ainda mais dúvida.

— Sobre voltar?

Ela deixou um grupo de meninas passar por eles até se sentir mais segura para falar.

— Não só sobre voltar. Também tem a questão de saber se as mudanças que ele aparenta são por vontade própria ou se são só pra chamar atenção.

— Ou esconder alguma coisa...

O comentário saiu boca afora sem Fernando conter.

— Esconder o quê, por exemplo?

— Esconder medos, Tássia. Pode parecer besteira minha, mas eu tendo a desconfiar quando alguém entra nesse desespero de aparentar alguma coisa — garantiu que não tinha ninguém por perto e baixou o tom de voz. — Ainda mais indo atrás de anabolizante pra acelerar o processo.

— Isso é o que mais me preocupa, Fê.

— Tássia — Fernando pegou a mão da amiga —, promete que tu não vai voltar só por pena?

— Fê...

— Tássia, por favor. Promete.

A garota se limitou a reforçar o aperto de mãos. Agradeceu ao universo quando Hilton chegou e abraçou o namorado. Pegou suas coisas e tratou de se afastar com a desculpa de deixar o casal sozinho.

Às vezes, tinha a impressão de que Fernando conseguia ler mentes.

***

NAQUELA TERÇA-FEIRA, TÁSSIA DECIDIU SE MANTER BEM DISTANTE DE PATRICK. Por sorte, o próprio garoto parecia disposto a dar o espaço que ela precisaria para pensar. Contudo, como Raquel disse para ela durante o intervalo, até isso parecia calculado.

O garoto passava por ela com tamanha formalidade que soava até como piada. Ao invés de sentar nas cadeiras do fundo da sala, no canto, dessa vez ele escolheu o meio, algo que o deixou com a ex-namorada em seu campo de visão. Sempre que Tássia, incomodada por sentir vigiada, virava-se para ele, porém, Patrick estava ou de cabeça abaixada ou tão atento à aula que ela mesma se sentia culpada por desconfiar dele. Após a oitava ou nona virada de cabeça, ela já estava até com o pescoço dolorido. Quando chegou ao ponto de ser chamada a atenção pela professora, desencanou. Assim, o resto do dia no cursinho transcorreu sem maiores intercorrências.

No cursinho, apenas.

Tássia estava na parada sozinha. Hilton e Fernando tiveram a sorte de pegar o ônibus assim que pisaram na plataforma. Até nisso os dois tinham vantagem: além de namorados e de se conhecerem há séculos, ainda eram vizinhos. Parecia que de fato o destino queria que ficassem juntos de qualquer jeito. Raquel, por sua vez, moradora da área Itaqui-Bacanga, tinha a vantagem de poder pegar qualquer ônibus que passasse no Terminal de Integração. De lá, era só pegar uma van ou um carro pequeno, os chamados "carrinhos", e chegar em casa. Tássia, porém, moradora de um bairro de classe média atendido por uma única linha de ônibus, precisava contar com a boa vontade do busão. Parecia que as empresas rodoviárias esqueciam de que os moradores desses bairros tidos como "nobres" também precisam de transporte público, um direito de todos.

Amor em Tempos de ENEMOnde as histórias ganham vida. Descobre agora