The Nameless Thing

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Era irracional, ela sabia, mas o que poderia fazer além de sentir pavor profundo? Chegava manso como as águas caudalosas do riacho atrás da casa da tia avó de sua mãe, não havia meios de pressentir seu aparecimento, apenas lidava com o medo incomensurável que aquilo causava.

Se lhe perguntassem, em que momento esse medo surgiu, de certo não poderia responder com precisão, só o sentiu regelar seus ossos até o íntimo, nunca se esqueceria, não era possível apagar da memória, tão pouco da sua retina.

Não existia amedrontamento naquele corpo até então, ela vivia feliz com o que tinha; sonhando nas noites densas, sem que nada lhe perturbasse o sono, ou ao menos lhe terrificasse na solidão do quarto laranja.

E num dia como tantos outros em sua vida pacata, aquilo surgiu, espreitando nas sombras do anoitecer, talvez a friagem repentina tivesse sido ocasionada por sua chegada silenciosa, como uma mortalha cobrindo um corpo morto. Ele veio.

E ficaria ali, mesmo que sua presença assustadora não se fizesse mais física, ela sabia, depois desse dia, a partida dele nunca aconteceu. Era como carregar uma tatuagem, não há meio de se livrar dela, a não ser arrancado uma parte sua junto.

Se o medo que aquilo ocasionava não fosse tão abissal, poderia até supor ser um dos seus amigos imaginários lhe pregando peças na madrugada fria, mas ele não era nada disso, não passava de um terror quase indescritível.

Mais tarde do que poderia supor, sua imaginação deu a coisa um corpo grotesco, formas que nenhuma mente sã poderia conceber, mas os medos se acumulavam como uma enorme pilha de papéis, havia o escuro, o frio e a solidão, todos esses medos condensados naquela presença.

Ele lhe tirou o fôlego quando chegou pela primeira vez, mas não podemos dizer que suas outras aparições não ocasionassem o mesmo sentimento de impotência, entorpecimento dos sentidos e do próprio viver daquela que contemplava atônita as ações dele, que era algo sem nome.

No dia que finalmente saiu das sombras, o tremeluzir das fracas luzes que conseguiam penetrar por entre as frestas da janela lhe deu a forma. Ela, paralisada em cima da cama, a voz não ecoaria no vazio de seu quarto, os movimentos não funcionavam de maneira natural, apenas as orbes esverdeadas focalizavam a coisa vindo, transpassando a madeira maciça da porta.

Horror, medo na escuridão silenciosa da madrugada, aquilo entrou, mas não completamente; passou sua mão terrivelmente negra e ainda sim translúcida, um braço decepado que não sangrava, não tinha ossos em exposição, não havia um corpo ao qual se ligava.

Ela parecia vinda de uma altura anormalmente diferente à de qualquer humano, surgia quase no limiar entre o batente superior da porta e a parede; fez sua dança hipnótica rumo à fechadura. Descia lentamente, a demora causando um alargamento no tempo precedido apenas pelo medo crescente dentro do quarto. 

Os dedos alongados com unhas pontiagudas tocaram o trinco, ela parecia tornar-se tangível novamente apenas para abaixar a maçaneta. A concepção de algo atravessando a porta fechada do quarto, cedia espaço para a constatação de que um corpo enorme do outro lado, que por um acaso do destino, não queria entrar por completo assim como fez com sua mão descolada do corpo.

A pata dançou em cima da maçaneta, gesticulou seus dedos garras para ela, que não produzia som algum, e se isso fosse visto de fora, a garota seria uma estranha olhando em espanto para uma porta fechada.

THE NAMELESS THINGWhere stories live. Discover now