Um conto no Outono

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Foi numa tarde fria de outono, que o primeiro "se" apareceu. Você se lembra?

O clima e o tempo queriam colaborar para o caos ao nosso redor; estávamos na linha da incerteza, uma corda bamba mantida por fios de amor. E, de certa forma, o meu coração ainda dançava sob a música que ressoava quando estávamos juntos; ainda que a dança tivesse um redemoinho de tropeços e fosse tragicamente improvisada, era divertida como nenhuma outra jamais seria. E todas as minhas incertezas se agarravam a isso.

O asfalto da rua estava molhado, e sentia gotinhas de água caindo nos meus pés enquanto caminhávamos para o que parecia ser o fim. O silêncio pode realmente ser ensurdecedor, e ficar calada ali enquanto caminhava do seu lado, sem sentir a sua mão entrelaçada na minha, era estranhamente desesperador. Porque você estava ali, mas eu sentia que estava de fora, e não partilhando da vida com você.

Seu olhar ainda era piedoso, implorador e cheio de esperança. É o que se chama de vontade de ficar e fazer dar certo, antes de tudo dar errado – ou durante. O pico das imperfeições que são postas à mesa, e que nos fazem decidir partir ou permanecer.

Pareceu uma eternidade até chegarmos ao momento da verdade.

-Por favor, diga alguma coisa... Qualquer coisa. -Você suplicou, buscando minha mão sobre a mesa vermelha e branca. A mesa da nossa sorveteria favorita.

Eu não conseguia dizer. Não conseguia pensar, entender ou buscar razões que pudessem justificar o que considerava ser um problema, e um grande problema.

-Não entendo. Até ontem, eu era feliz e você não fazia parte de mim, do que eu sou, do que eu vivo ou desejo -Comecei, insegura do que estava dizendo e com a voz embargada, mas sem querer perder a razão-; e hoje me vejo perdida, mas também absurdamente aborrecida, quando vejo que podemos deixar de ser o que somos e que não conseguiria viver novamente como sempre vivi. Eu não quero te perder, mas o que está acontecendo com a gente?

E neste momento eu percebi o quanto você me fazia esquecer de quem eu era. Era apenas o quarto mês da vida com você, e eu já tinha me perdido, esquecido as minhas músicas preferidas, o meu hobbie pela leitura, as minhas séries favoritas e as saídas que sempre amei com os meus amigos. Eu não tinha que me perder: eu tinha que continuar me encontrando, como sempre foi.

Então percebi que não se tratava de nós, mas de mim, do que tudo aquilo significava pra mim e o pacote de consequências que me trazia. Pesando na balança, jamais teria valido a pena ficar. Mas nenhuma ideia era pior do que perder você.

-Anna, me ouça... Jamais quis magoar você, nunca foi a minha intenção. Me perdoa? Não joga a nossa história fora, ainda temos tanto para viver... E eu amo você.

E disse as palavras.

E.u A.m.o V.o.c.ê

Me ganhou outra vez, de outra forma, de outro jeito e com outro drible.

No fim da tarde fria, você me beijou demoradamente sob as gotas geladas de chuva que caíam sobre nós, e me senti amada de forma confortante. Eu te beijei de volta e por um momento o mundo deixou de existir, éramos nós e apenas nós. E eu senti o gosto da sua boca, como a forma em que seu cabelo deslizava sob meus dedos. E na história da vida, esse momento está congelado no espaço-tempo ainda hoje, mesmo quando a magia não é mais a mesma.

Mesmo que, dois anos depois, a gente se bata na esquina da rua e eu não te conheça e tenhamos trocado as piores ofensas de desamor, o espaço se encarrega de congelar e eternizar um pedaço de momento.

Mesmo que tenhamos nos casado.

Tido filhos.

Envelhecido.

Aquela tarde fria de outono continua ali.

As Estações em que Você me LevouWhere stories live. Discover now