Enchente

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Continuo parada no mesmo lugar há mais de uma hora: olhando através da janela de vidro do restaurante em que entrei para me abrigar da chuva e esperar que ela diminuísse.

Só que não diminuiu.

Arrisco a dizer que piora cada vez mais.

E meus olhos só vêem as águas fortes que descem pela rua e já cobrem a calçada.

Por quê?! Por que tinha que chover tanto assim bem no dia em que eu estou longe de casa? Eu nunca, nunca mesmo, vou para o centro da cidade e, justamente no único dia em que eu vou, o que acontece? O céu resolve desabar!

"Isso é algum problema pessoal comigo?!", penso irritada e me sobressalto assustada com o enorme trovão que faz tremer o chão e o vidro da janela.

- Fica tranquila, uma hora vai passar. - Uma voz masculina diz próximo a mim.

- Hã?! - Olho para o lado e me deparo com um garoto que também está olhando para a rua através do vidro da janela.

- A chuva... Uma hora ela vai passar. - Ele olha rapidamente para mim e volta a encarar o vidro.

- Eu sei disso. - Deixo transparecer um pouco de irritação na minha resposta.

- Eu sei que você sabe, não queria te deixar irritada. - Ele sorri ainda encarando a janela até finalmente se virar para mim. - Só falei isso para tentar te acalmar.

- Eu não tô nervosa. - Continuo na defensiva. Afinal, não conheço esse garoto e aprendi desde nova que não devemos conversar com estranhos.

- Bem, se você não está nervosa, então eu te peço, por favor, não fique até a gente sair daqui! - A expressão de preocupação em seu rosto me faz revirar os olhos.

- É sério que você vai fazer isso mesmo? - Não era possível que alguém conseguisse pensar em cantadas baratas no meio de um dilúvio.

- Bem, não sei o que você acha que eu estou fazendo, mas eu só estou garantindo que a gente possa continuar a ter um lugar para se abrigar até a chuva parar e a gente poder sair desse restaurante. - Ele dá de ombros e volta a olhar para a janela.

- E como o meu estado de humor influencia na segurança do nosso abrigo? - Me viro para encará-lo e noto que um sorriso ameaça surgir em seus lábios, mas ele dá um jeito de escondê-lo de mim. Ah, pode tentar esconder, mas você não me engana! Não foi dessa vez! Penso satisfeita.

- Você está há mais de uma hora em pé, na mesma posição, encarando diretamente o vidro. - Ele ergue as sobrancelhas - É um pouco assustador.

- Assustador é eu saber que um estranho está há uma hora tomando conta dos meus movimentos. - Rabato na mesma hora.

- Não fui só eu que notei... - Ele dá de ombros e balança a cabeça para dentro do restaurante. Olho na direção das mesas e vejo que algumas pessoas estão olhando para nós. Ou seria para a janela?

- O que você quer? - Volto a olhar para ele.

- Sentar. Tô bem cansado! - Ele olha para as mesas, mas todas estão ocupadas e tem várias pessoas em pé. - A gente não escolheu o melhor dos restaurantes para se abrigar... Da próxima vez que acontecer algo parecido, vou lembrar de entrar em um lugar que tenha espaço para sentar. - Ele volta a me encarar. - Bem, só vim ver se estava tudo bem com você e, como eu já vi que está, vou procurar um canto para sentar. - Ele se virou e saiu.

Bufei incrédula.

Sério que ele apareceu do nada, veio com essa conversa sobre o tempo e simplesmente virou as costas e saiu?!

E agora?!Where stories live. Discover now