1 - Quando conheci o sol

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O Recanto era um grande e bonito complexo hospitalar, mas a ala psiquiátrica era mesmo bem feita. Quartos projetados para imitar o conforto do lar, com suas portas voltadas para um pátio central que lembrava vagamente uma praça, com bancos de concreto, flores e arbustos, com diversas árvores ao redor criando um clima realmente acolhedor. Isso é, se não fosse pelo muro.

O setor era todo cercado por um muro grande e alto com arame farpado no topo. Ele ficava distante dos quartos e escondido atrás das árvores longas, e alguém até poderia achar que ali era um tipo de hotel ou spa, mas uma observação mais atenta desnudaria o espaço pelo que era de verdade: um lugar do qual você não poderia sair ao seu bel prazer.

Lan Wangji se dirigiu para o pátio de cimento usado para atividades ao ar livre, fazia o caminho automaticamente, pois já era instrutor voluntário de taichi chuan havia anos. Encontrou os pacientes esperando, os poucos que a enfermagem conseguiu tirar da cama àquela hora da manhã e que estavam em condições de um pouco de exercício físico e meditação em movimento.

Ficou satisfeito ao ver Wen Ning. Embora roesse as unhas e tremesse visivelmente de ansiedade, era a primeira vez que Wangji o via fora do quarto. Lan Wangji já se preparou mentalmente para como interceder caso ele tivesse uma crise de pânico no meio da aula.

Nie Huaisang o saudou de forma cordial. Ah, então ele ainda não tinha ido embora. Fazia sentido, Wangji pensou, pois ninguém conseguia provar que Nie Huaisang tinha de fato algum transtorno psiquiátrico, mas ninguém conseguia provar que ele não tinha (não era seu papel julgar, mas constava em prontuário que a hipótese mais provável era que o paciente estava fingindo ser doente para se livrar de um processo judicial).

Xue Yang também estava lá. De novo. Devia ser a terceira internação só nesse ano. Talvez os médicos devessem lidar com o fato de que Xue Yang não queria parar de usar drogas e tentar outra abordagem. Enquanto isso não acontecia, o rapaz recebeu Wangji com um sorriso sarcástico enquanto enfiava mais uma bala na boca, tão disposto a meditar quanto todas as outras vezes em que esteve ali.

Wangji posicionou-se para começar, tronco ereto e pés firmes no chão. Os pacientes se aproximaram.

- Prontos?

- Ei, instrutor Lan – Huaisang interrompeu -, temos um outro xiong hoje. Ele foi jogar água fria nos braços, já está voltando.

Lan Wangji assentiu e esperou. Embora odiasse atrasos, estímulo sensorial era uma estratégia incentivada para lidar com vários tipos de crise, desde ansiedade a abstinência. E ele não iria punir um paciente por fazer justamente o que a equipe médica orientava. Wangji até fingiu não ouvir Xue Yang resmungar um "como se adiantasse" em prol da boa convivência naquele momento.

Alguns segundos se passaram antes que uma voz viesse da direção dos quartos:

- Opa! Pronto, pronto, estou aqui, não precisam mais esperar!

Quando o rosto entrou em seu campo de visão, Lan Wangji o reconheceu imediatamente. Seu coração acelerou ao mesmo tempo em que pulou uma batida, isso era possível? Se não fosse, ao menos estava em um lugar cheio de médicos. Não moveu um músculo do rosto, mas sua mente entrou em colapso.

Por quê?

As feições estavam mais cansadas, havia olheiras e a barba estava por fazer. O rosto era avermelhado e fundo, visivelmente mais magro do que seria saudável. Suas mãos tremiam e o tom da voz tinha o inegável acento de medicações potentes.

O homem parou alguns segundos e sua expressão se iluminou em um sorriso:

- Lan Zhan?

Wangji assentiu, rosto neutro mas coração em chamas:

Clouds across the moon | Wangxian Modern AUOnde histórias criam vida. Descubra agora