Camellia

c a p í t u l o ✿ 1

Não havia lugar sobrando na mesa.

Elisa continuou:

— Arrasta uma cadeira e-

— Não vai dar, Lisa — cortou. — Preciso terminar um trabalho, vou comer no quarto mesmo.

Era humilhante falar aquilo porque qualquer uma saberia que era mentira. Não era como se as outras alunas esperassem que Bianca sentasse ali, junto com as garotas que faziam bullying com ela diariamente, e comesse quieta. Ela sentia ainda mais raiva de Elisa por sequer sugerir aquilo.

Não ficou para ouvir outro argumento tentando convencê-la e deu as costas à mesa, ignorando as risadinhas que seguiram. Podia imaginar como seu rosto já estava vermelho àquela altura.

Quando cruzou as portas duplas de madeira, até mesmo a tarde ensolarada parecia sufocante e apressou o passo pelos caminhos de pedra. Lembrou da alegria no seu coração há algumas semanas, quando viu pela primeira vez os edifícios de aparência antiga, paredes repletas de trepadeiras e os caminhos de pedra por entre campos arborizados. Por um ano, os conhecera apenas pelas histórias incríveis que sua irmã mais velha lhe contava e sonhou acordada mais noites do que poderia contar com a sua vez de estudar lá. Hoje, cada pedaço de pedra do muro que cercava o colégio lhe dava náuseas

Sentiu algo quente escorrer pelas bochechas e percebeu que estava chorando. Aquela paisagem de tirar o fôlego era uma lembrança irônica de sua infelicidade, contrastando com seus sentimentos cinzas e sem vida. Aquele era para ser o seu ano dos sonhos, como foi para a sua irmã...

Natalie se formou no ano anterior, a primeira das irmãs Conceição a estudar no exclusivo internato feminino Madre Cordélia. A oportunidade veio graças à presidente da corretora para a qual seu pai trabalhava, irmã de ninguém menos que a própria ex-diretora do colégio, que prometeu a bolsa às suas filhas como incentivo para que ele assumisse a nova filial. A questão é que era apenas uma e por isso as irmãs não puderam entrar juntas: Natalie se formou no ano anterior, por isso agora Bianca estava ali.

Diferente da maioria das alunas, Bianca não era uma herdeira, nem vinha de família abastada e desde o começo teve certeza de que não tinha nada a ver com aquele colégio feminino extremamente renomado. Mas quando pensava na história de Natalie...

Não foi um conto de fadas do começo ao fim, mas a irmã marcou seu nome naquele internato: a começar pelo namoro com a sua colega de quarto, coincidentemente filha da antiga diretora; passando pelas incontáveis amizades que seu jeito genuíno e divertido lhe rendeu, a ponto de se tornar uma das alunas mais populares e queridas daquele ano; até a proeza de transformar o desprezo que a mãe da namorada sentia por ela em uma profunda admiração, depois de enfrentar todas as inseguranças para cravar seu nome não apenas na lista de formadas, mas também de aprovadas no vestibular.

Para Natalie, pertencer ou não àquele mundo era irrelevante, pois ela era capaz de derrubá-lo aos seus pés. Era tão bonita, inteligente e genuína que não fazia diferença se não era igualmente abastada ou se dispunha das mesmas oportunidades.

O problema mesmo sempre foi o nome antes do "Conceição". Natalie era brilhante como um raio de sol, enquanto Bianca... Era apenas Bianca.

Sempre foi assim, desde que eram novinhas. Como quando sua mãe as colocou em uma colônia de férias, onde já no primeiro dia as crianças disputavam para ver quem teria Natalie em seu time, enquanto Bianca fingiu que preferia ficar desenhando sozinha para não passar pela humilhação de ser a última escolhida. Ou quando a irmã não teve medo de puxar o cabelo de uma menina no parquinho até que ela devolvesse o brinquedo que havia roubado da caçula. Mesmo em casa, onde fingiam se detestar como gato e rato, trocando ofensas como quem dá bom dia, bastava qualquer briga entre Bianca e dona Sônia para que Natalie imediatamente entrasse em seu quarto com pipoca de microondas, uma barra de chocolate e a noite livre para assistirem comédias românticas juntas.