Espelho

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     Não faz muito tempo, reencontrei um amigo de infância. Não que ele estivesse sumido. Eu sabia muito bem onde ele morava, sempre soube como encontrá-lo. Dois setores nos separavam, apenas. Mas a distância que se estabeleceu entre nós era bem maior que os poucos quilômetros de distância entre nossas casas. 

    O fato é que nos reencontramos. Meio que inesperadamente, fui convidado para uma partida de truco, regado a cerveja e tira-gostos. Nunca fui de jogar truco, mas fui. Fui pelo convite, pela nostalgia e pela curiosidade. 

    É estranho quando você está diante de alguém que te conhece há muito tempo, pois sempre fica a desconcertante sensação de que as máscaras caíram. E era verdade. Aquele amigo me conhecia por tempo demais, de um passado que antecedia ao meu amadurecimento, de um momento da minha vida em que eu era inocente, cru e, por isso, indefeso. Ele me conhecia e eu o conhecia. Além das aparências, além dos diplomas, dos bons salários. 

    Não consegui beber. 

    Não estávamos sozinhos, claro. Havia também alguns de seus amigos que eu não conhecia. Pessoas que entraram na vida dele depois que eu havia saído. E observando a interação daqueles pessoas desconhecidas com aquele amigo que eu tanto conhecia, a forma como tinham uma intimidade da qual eu não fazia mais parte, não pude deixar de me entristecer. 

    Aquele amigo era parte do meu passado. Uma parte de que eu sentia muita saudade, mas que tinha sido obrigado a deixar para trás em nome da minha evolução. Eu havia criado muros, bloqueando os meus receios, e só ali percebi que muito mais havia sido bloqueado. Ele me parecia divertido, com um tipo de humor sagaz, ágil, que eu sabia que um dia havíamos compartilhado, mas que a seriedade da vida adulta — da vida que eu levava —, tinha apagado da minha personalidade. 

    Não faz muito tempo, eu encontrei um amigo de infância. Mas isso não importa. O que importa verdadeiramente é que ali, ao lado daquele amigo, eu também me reencontrei. Sem aviso e nenhum tipo de preparo. Olhei para mim mesmo, para um antigo eu, e vi que ele estava orgulhoso do que eu me tornei. Curiosamente, eu também tinha orgulho do que ele era. Porém era irônica como ambos não estávamos satisfeitos com o que éramos. Pelo jeito, nem tudo muda com o tempo. 

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