Parte 03 - A Carta

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Eu não vou atrás dele, como deveria. Não imploro por seu perdão, nem nada assim. No fundo, eu nem sei se vale a pena.

- Saraaaaaaaaaaaaaa – a voz da minha mãe chega aos meus ouvidos, vinda de dentro da casa. – Preciso de você aquiiiiiiiiii.

Suspiro e caminho na direção da porta do quintal, deixando meu presente de Páscoa de Lucas em cima de uma mesinha no caminho. Minha mãe, como esperado, está me empurrando uma bandeja de sabe lá Deus o que para levar pra mesa.

─ O almoço será servido em minutos – ela diz. – Como foi com João Paulo?

Uma tristeza!!!!

─ Tudo bem.

─ E mais um brinde, ick, aos nossos queridos vizinhos que retornaram! – meu pai diz, mais pra lá do que pra cá, batendo na taça de vinho dele. – Sejam muito bem vindos de volta!

E todo mundo bate palma, até mesmo o chateado e sério Lucas, sentado ao meu lado. João Paulo, sentado a minha frente, começa a ficar meio vermelho.

─ Devíamos é fazer um brinde a essa comida deliciosa que você preparou, senhor Melchior – ele diz, levantando a taça dele.

─ Muito obrigado, meu garoto – meu pai acata. – Um brinde a esse espetacular almoço! E agora, todos, atacar!

Eu resolvo manter meus olhos sobre meu prato e apenas sobre ele. Minha querida e amada mãe, achou que seria uma idéia sensacional me colocar nesse lugar, perto dos dois.

Seria mãe, seria sim! Se os dois não estivessem com um rixa entre si e meio chateados comigo.

─ Sara, querida, pode me passar o purê de batatas? – a voz de Éster chega até mim.

Corro meus olhos pela mesa, procurando pelo pote pedido e estico meu braço para alcançá-lo. Inço-o com uma estranha facilidade e só então percebo que tem outra mão me ajudando.

Solto-o imediatamente após perceber isso.

E a outra mão, idem.

O que faz uma coisa meio caótica acontecer. O pote despenca de uma altura razoável, batendo forte contra a mesa e esparramando purê pra todos os lados.

─ Que droga! – reclamo alto, quando sinto purê respingar no meu rosto.

A mesa inteira se silencia e olha pra confusão, antes de começar a rir alto.

Eu saio da mesa, sem nem mesmo pedir licença, e corro pra dentro, atrás de uma pia primeiramente e depois de um pano ou sei lá, para limpar aquela sujeirada toda.

Respiro fundo, enquanto o seco com a toalha, me xingando mentalmente.

Porque eu sou uma idiota por deixar a situação sair tanto assim do controle. E não, eu não estou falando do purê e sim da coisa Lucas/Jopa.

Abaixada e resmunguenta, pegando um pano no armário de baixo da pia, eu só percebo a presença de alguém comigo quando esse alguém chama meu nome.

E já que eu sou a pessoa mais sortuda da Terra, eu levo um susto danado e bato com a cabeça contra a pia com força e por conta da dor extrema, me jogo pra trás com uma mão na cabeça e um pano na outra.

─ SARA! – a mesma pessoa grita, correndo na minha direção.

Eu não preciso nem ver os all stars beges para saber quem é.

Eu não tenho força alguma pra ao menos me sentar. Meu corpo continua esticado no chão e minha mão na minha cabeça quando ele se ajoelha do meu lado.

─ Eu estou bem – digo. – Só tá doendo um pouco.

Ele me ajuda a sentar e escora meu tronco no seu próprio. Depois tira a minha mão do caminho e examina minha cabeça.

─ É, sem cortes – ele diz. – Deu sorte, mas vai ficar um galo feio.

Só a proximidade dele e seu cheiro de banho servem como um ótimo anestésico e minha cabeça nem dói mais tanto assim.

Ai, meu Deus, qual é o meu problema?

─ Desculpe por ter soltado o pote – ele continua. – Eu achei que você iria continuar segurando.

─ Tudo bem – eu acabo rindo. – Tudo bem, deixa pra lá.

Minha cabeça ocupava exatamente o espaço entre seu ombro e seu pescoço, enquanto nossas pernas disputavam por espaço no chão ladrilhado da minha cozinha.

─ É bom te encontrar e ver que você está feliz, Sara – ele fala, me fitando. – Seu sorriso não mudou nada.

─ Seus olhos também não mudaram nada – eu arrisco. – Digo, seu olhar. Continua com a intensidade e honestidade de sempre.

─ Acho que certas coisas nunca mudam – ele opina. – Mesmo que a gente tenha mudado em muitos aspectos, nossos detalhes continuam os mesmos. Como o fato de seus chocolates preferidos serem trufas.

─ Ah, então foi você mesmo – digo com tom surpreso, apesar de já ter quase certeza disso. – Trufas ainda são meu chocolate preferido. Assim como eu ainda amo anjos. Como você se lembrou disso?

─ As lembranças ficam, Sara. Tem coisas que a gente não tira do coração – ele responde, apertando ainda mais seu braço em volta da minha cintura.

─ Eu também sinto sua falta – murmuro.

─ Agora não precisa sentir mais – ele responde na mesma altura, numa voz rouca. – Precisamos voltar, seu namorado daqui a pouco vai aparecer aqui disposto a tirar meu couro fora.

Eu rio, sem jeito, enquanto ele me ajuda a levantar do chão.

─ Tenho uma coisa para te dar – ele diz, pegando o pano do chão.

─ O que é? – pergunto.

Ele puxa um envelope gordo, dobrado, do bolso e me entrega.

─ O que é isso?

Ele dá um sorriso tímido, olhando para baixo. Meu coração mal aguenta.

─ Vê se lê logo agora, por favor – se limita a dizer, indo embora da cozinha. - Vou limpar a mesa.

E mesmo que eu ainda tente o chamar algumas vezes, ele me ignora e continua andando pra fora da casa.

A parte da frente do envelope só tem meu nome escrito. Numa letra de forma, apressada e garranchuda.

Ao puxar o conteúdo do envelope, dou de cara com uma foto.

Minha e dele.

Comendo trufas, no meu quarto com tema de anjos. Antes dele pegar fogo, sabe como é.

No verso da folha, lê-se: é uma cópia da que eu tenho na minha casa. Não sabia se você tinha alguma foto nossa juntos, depois do que aconteceu. Bem, se não tinha agora tem.

Eu não tinha.

Apoio a foto sobre a mesa da cozinha, antes de puxar a carta de dentro do envelope. No momento que eu dou o puxão, um pedaço de papel dobrado cai no chão. Antes mesmo de tocá-lo, eu já sei o que é:

O pedaço do papel de parede de anjos do meu antigo quarto.

Já está meio difícil segurar as lágrimas quando eu desdobro o papel e começo a ler a carta.

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Ainda com minha mania de jogar bombas e correr :b

Mas vou correr pouco, amanhã já é Páscoa e postarei o fim do conto :*

Reencontros, trufas e anjosWhere stories live. Discover now