Capítulo 28

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Pouco mais de uma semana depois, o zumbido em meus ouvidos fica tão alto que não consigo prestar atenção em nada ao redor

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Pouco mais de uma semana depois, o zumbido em meus ouvidos fica tão alto que não consigo prestar atenção em nada ao redor. Eu e meus amigos dividimos uma mesa, como de costume, mais para trocar piadas e provocações do que para realmente nos alimentarmos. Mas o barulho me deixa aérea.

— Lu — chama Thais, me olhando daquele exato jeito que revela até minha alma — O que foi?

— Não foi nada. — minto.

Mas ela continua me encarando. Bufo.

— Estou mais sensível ao zumbido hoje. Só isso.

Mais alguns segundos de análise e ela aceita minha resposta. Parcialmente.

Suspiro e aperto meus ouvidos, com aparelho e tudo, numa tentativa de abafar o chiado constante. Abaixo a cabeça. Não muda nada.

Os dedos de Vicente correm pelo meu ombro exposto, fazendo minha postura relaxar com a familiaridade do toque. Me recosto contra o calor dele. Vicente tira mechas de cabelo rebelde e mal-presas da frente do meu rosto, falando baixo para que apenas eu escute:

—  Tá tudo bem? Quer ir pra casa?

Peso minhas possibilidades. Há uma ou outra aula que eu deveria assistir hoje, mas nada que não dê para recuperar. A proposta de voltar para o conforto da minha cama é tentadora.

Assinto para ele.

Vicente levanta-se da mesa segurando minha mão e faço mil promessas para Thais de que qualquer, qualquer coisa, vou avisá-la.

Ele beija os nós dos meus dedos enquanto seguimos, e me permite ficar quieta. Nem mesmo toca no rádio, esperando que eu escolha ou não fazer isso.

Eu te amo, tenho vontade de dizer o tempo todo. É difícil não amar Vicente.

Ele me leva na porta de casa, apesar dos pouquíssimos metros que há entre ela e a rua.

— É uma crise? — pergunta.

— Talvez seja. Não há muito como prever.

Preocupação embaça seus olhos.

— Vou ficar com você, então.

Eu nego.

— Você vai voltar pras suas aulas e continuar seu dia normalmente. Vou ficar bem.

— Luísa...

— Vicente, eu vou dormir. Não posso ter crise nenhuma enquanto estiver dormindo.

Ele balança a cabeça, correndo os dedos por entre o cabelo, como se quisesse discutir mais, mas percebesse que eu insistiria no argumento.

— Eu te amo. — beijo sua bochecha para suavizá-lo.

Vicente não se satisfaz, seus lábios puxando os meus em um beijo delicado que me faz prender o ar.

— Eu te amo, Luísa.

Ele se dá por vencido depois dessas palavras, suspirando mais uma vez, e planta um segundo beijo em meus lábios antes de voltar para o carro, enquanto eu entro em casa.

Uma sensação de lentidão toma meu corpo assim que o arrasto para dentro, mas resisto a ela, por enquanto. Tomo um banho demorado e escaldante, lavando cuidadosamente o cabelo comprido. O espelho está embaçado de vapor com cheiro de lilás quando eu termino. Visto uma roupa confortável e desço para a cozinha, mas me sinto preguiçosa demais para preparar algo para comer. Bebo apenas um copo de leite com açúcar e me sento no sofá da sala.

Me recosto lentamente e, quando percebo já estou deitada, minha cabeça apoiada em um dos braços do estofado, como um travesseiro, e os pés sobre o outro.

Fechar os olhos é inevitável.

Me deixar cair no sono, também.

🎼

Acordo um pouco perdida e com a cabeça pesada. Ainda é tarde, considerando que estou sozinha e uma luz dourada entra pelas janelas. Dou uma olhada no celular e confirmo: quase quatro da tarde. Ele deveria ter despertado há uns vinte minutos atrás.

Sem muito mais para fazer, busco o controle da TV na mesa de centro. O canal está no mundo quando eu ligo. Aumento o volume, mas o som ainda não sai. Bato nas pilhas. Aperto os botões com mais força. Nada faz com que o som volte. Meu pai terá um leve surto quando descobrir esse problema na televisão.

Ao meu lado, o celular vibra com um novo alarme.

Vibra, mas não toca, como o programei para fazer.

Engulo ar, percebendo algo.

Percebendo uma ausência marcante em todo o espaço ao redor de mim.
Abro a minha boca, como um teste, falando comigo mesma.

— Eu não estou surda. — digo.

Mas não ouço minhas próprias palavras.

Sufoco, mas seguro meu nervosismo e me obrigo a manter a cabeça no lugar.

Tudo bem, repito para mim, é como foi da outra vez. Vai durar apenas alguns minutos.

Eu repito isso, dentro da minha cabeça. Repito até que pareça ser verdade. Repito até que eu acredite.

Cravo os olhos nos ponteiros do relógio, pendurado na parede, como se meu olhar pudesse obrigá-los a girar mais rápido.

É excruciante.

A cada segundo que se arrasta, garras geladas como o mar de medo se alastram pela minha barriga, um centímetro mais alto.

Forço-as para baixo, paralisada em meu lugar, olhando, olhando, olhando.

Encarando a hora em que voltarei a ouvir.

O tempo dobra-se sobre si mesmo, alongando-se além de sua natureza.

Minhas pernas tremem, em um movimento incontrolável. Minha cabeça fica barulhenta, um contraste terrível com o silêncio sepulcral do lado de fora.

Mesmo assim, eu espero.

É só quando os ponteiros se acertam nas cinco horas que eu paro.

O pânico me domina.

Já estou com as chaves do carro na mão.

Último Som Where stories live. Discover now